Centeno trouxe novidades a esta tragédia clássica sem, no entanto, alterar a base do enredo. Primeiro, tem tido a sorte que faltou a Teixeira dos Santos. A política de juros baixos do Banco Central Europeu, além de maquilhar a falência técnica do Estado português, permitiu uma redução de mais de 650 milhões nos encargos financeiros, só ultrapassada pela feroz queda do investimento público de mais de 1100 milhões. Esta é a segunda originalidade: o total desinteresse pelo aparelho produtivo, colocando o investimento estatal no valor mais baixo dos últimos 22 anos.
A terceira inovação é a descarada contradição no discurso. O governo apresentou-se desde o princípio como abertamente antiausteridade, repudiando os terríveis cortes e apertos dos últimos anos, para depois os agravar impiedosamente. Pior, o instrumento preferido foi a "captivação", que só por si manifesta a duplicidade e a dureza do exercício: as verbas são prometidas, mas nunca chegam a ser disponibilizadas. Este método mesquinho é usado há décadas, mas os 843 milhões de 2016 são raros, devido aos violentos e compreensíveis protestos dos serviços afectados. Protestos esses que, desta vez, primaram pela ausência.
Isso criou um momento histórico: o primeiro episódio de violenta austeridade conseguida sem tumultos e por um governo que mantém a popularidade.
Um clima assim teria criado, pela primeira vez em décadas, uma real oportunidade para uma verdadeira reforma do aparelho de despesa pública. Oportunidade certamente ilusória, devido aos compromissos impostos no acordo à esquerda. Esse autoriza, quando muito, a dose de cuidados paliativos aplicada, evitando a indispensável intervenção cirúrgica.
Os feitos orçamentais de 2016, e a forma paradoxal da sua obtenção, estão sem dúvida entre os mais notáveis da nossa atribulada história financeira. Apesar disso, os verdadeiros problemas das contas do Estado e do aparelho produtivo mantêm-se inalterados. O colapso, quando vier, parecerá uma surpresa e um acidente. Como em 2009.