Eu pergunto a mim mesmo. Há alguém que acredite que processos que envolvem milhões de euros prescrevam porque em dado momento do circuito processual alguém se esqueceu de fazer uma qualquer démarche? Então os responsáveis, que têm em mãos estes processos, são tão maus profissionais que nada fazem para inverter prioridades, solicitar ajuda superior, ou propor a constituição de um grupo com o objectivo de cumprir prazos ? O que seria de um qualquer gabinete de advogados se não cumprisse os prazos dos processos que tem à sua responsabilidade?
Lembro-me sempre de um célebre caso, na então jovem bolsa de Lisboa, em que o mais conhecido e bem sucedido corrector "estourou" com centenas de milhares de contos ( ainda era a moeda antiga). Toda a gente ficou à espera que aparecessem acções e mais acções judiciais contra o homem. Qual quê? Se bem me lembro apareceu uma de um arquitecto que perdeu cento e cinquenta mil contos. Mais ninguém tinha nada a apontar ao corrector. Houve até entrevistas aos prejudicados(?) em que estes arranjavam umas explicações esfarrapadas para que o assunto não fosse para aos tribunais. Porquê?
Calculo eu que alguns já tinham ganho muito dinheiro antes. Outros, não eram capazes de explicar a proveniência do dinheiro aplicado na bolsa. E, ao fim e ao cabo, toda a tramóia não teria sido possível sem múltiplas cumplicidades aos mais altos níveis. Assim, foi bem melhor para todos tudo morrer na "gaveta" da prescrição. Ficamos todos de bem com deus e com o diabo ( letra pequena não vá ele estar a ouvir-me)
Este mundo fechado à auscultação da sociedade civil é o lado mais negro do estado. É onde se cruzam interesses individuais e corporativos que minam o interesse geral. Funcionários que estão dos dois lados da barricada. É assim que nascem as PPPs, as swaps, as consultadorias. E as prescrições.
Na primeira página do Correio da Manhã vem uma notícia que é tão aterradora quanto a prescrição do processo de Jardim Gonçalves. O Juiz que deixou prescrever o processo pode vir a ser funcionário do Banco de Portugal o outro elemento suspeito de não ter sido suficientemente expedito para impedir este final inaceitável. Este encadeado sem fim, que permite que no interior da administração pública o mesmo profissional possa, ao longo da sua carreira, ocupar lugares e funções que em dada altura foram incompatíveis, leva a indesejável promiscuidade. Pode ser que não seja nada. Pode até ser que nada tenha a ver com nada, mas há coincidências que destroiem o que de melhor temos. A confiança no estado e em quem o serve.
Os portugueses têm, maioritariamente, uma má imagem sobre a Justiça Ao contrário dos que a deviam fazer que consideram que tudo vai bem ou quase bem . A semana passada tivemos a prescrição do processo de Jardim Gonçalves. Não sei se a culpa é do juiz se é da lei. Sei que é mais uma pazada de terra sobre o cadáver. E o pior de tudo é que o país já vê nestas absurdas conclusões algo de normal. Ninguém dá explicações . O normal é mesmo um processo ou uma multa ou o quer que seja de um milhão de euros prescrever.
O juiz devia denunciar a lei que permite este absurdo e tentar mudá-la. Não o fazendo fica a pergunta. O juiz deixou prescrever o processo por incúria, por interesse pessoal ou porque recebeu ordens? Vem aí mais um inquérito, também com prescrição garantida.