Sem pingo de nobreza
A INICIATIVA NÃO TEM UM PINGO DE NOBREZA
Estes indivíduos vivem numa realidade alternativa, com poucos pontos de contacto com o mundo em que vivemos.
Eu não me oporia a que alguma arte, que fosse especialmente relevante para o sentimento nacional desses países, regressasse ao seu território de origem. Não entendo que tal implique toda a arte, pois a arte africana, dos territórios por onde andámos, também faz parte da nossa História, da História do colectivo português. Mas, como disse, se do ponto de vista do simbólico esse regresso fosse importante não me oporia.
Agora pensemos, não em termos do mundo alienado de Joacine, mas nos termos de um mundo concreto. A Guiné-Bissau, de onde é originária a senhora, é o segundo país com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano. É um Estado falhado, onde nada funciona. O sistema de saúde não funciona, e o pouco que existe é minado pela corrupção. Em algumas zonas do país a taxa de analfabetismo é superior a 90%. Existe uma grande desigualdade no acesso à educação entre géneros, às raparigas não se lhe concede esse direito. Infelizmente, os golpes de Estado são relativamente comuns. Quando ocorrem, algumas das estruturas do Estado são arrasadas. Em nos golpes militares de 1998-1999 o palácio presidencial e as residências para convidados estrangeiros foram destruídas.
Alguém, com algum contacto com a realidade, acredita que um país destes estaria em condições de criar, e manter, estruturas museológicas para acolher dignamente os artefactos que tivessem vindo de Portugal? E alguém tem dúvidas que, se as peças transferidas fossem de qualidade, passado um mês estariam à venda em Londres, enriquecendo um qualquer ladrão corrupto? E alguém acredita que em Moçambique seria muito diferente? Mesmo para Angola, claramente mais desenvolvida, a criação de estruturas museológicas de acolhimento de certeza que não será uma prioridade, num país que não consegue dar cuidados de saúde básicos à sua população.
Por muito que doa aqueles que têm profundo ressabiamento contra Portugal, a melhor forma de preservar a memória etnográfica e artística colectiva desses países é manter os artefactos por cá. Se um dia, como todos desejamos, as condições desses países forem outras talvez este assunto possa ser pertinente.
Neste momento, a colocação do assunto na agenda mediática serve apenas para querer marcar “o fardo do homem branco” e acentuar ódios e ressentimentos. Afinal é desse ódio que vários dos seus promotores vivem, e não vivem mal.
Por muito que me esforce, não consigo ver um pingo de nobreza nesta iniciativa.