(Procurei escrever um post mais a sério acerca das perspectivas que se oferecem a Portugal. Como ficou relativamente longo, não corro o risco de ser muito lido, pelo que as suas eventuais falhas não serão particularmente notadas)
PORTUGAL QUE FUTURO II
Disse aqui que Portugal estava especialmente mal preparado para enfrentar o choque desta crise por duas razões, o país está sobre-endividado e o turismo, a nossa indústria mais competitiva, deverá ser a que mais vai sofrer no curto prazo.
No entanto, como é óbvio o país não vai desaparecer, e até talvez se possa tornar mais interessante e competitivo.
Antes de mais uma constatação, o modelo que o nosso país perseguiu nos últimos vinte anos foi um fracasso completo. Portugal, descontando países em guerra, deverá ter sido o terceiro pior país do mundo, em termos de crescimento económico. Só visões profundamente alienadas podem dizer que íamos bem ou que “somos os melhores do mundo”. Tirando casos pontuais, um recém-licenciado se quiser um ordenado decente, tipo 2.000€ tem que emigrar, por cá ganhará bem menos de metade disso. O nosso melhor talento vai-se embora e apenas acredita no país para fazer férias.
Este estado a que chegámos vai além das simples opções políticas menos boas que tomámos. Portugal jogava num tabuleiro de jogo claramente desfavorável, ora vejamos. Simplificando, há duas maneiras de produzir riqueza, uma é fazendo produtos de altíssimo valor acrescentado através de criar marcas de forte valor, criar designs únicos, desenvolver tecnologias únicas e sofisticadas. Serão exemplo disso a investigação farmacêutica, a criação de marcas de luxo, o desenvolvimento de software, a engenharia de ponta e por aí fora. A outra forma é ter actividades de mão de obra intensiva, que muitas vezes fabricam os produtos que os trabalhadores de alto valor acrescentado conceberam. Esta separação de campeonatos não é estanque, por exemplo um Brasil pouco sofisticado tem uma Embraer muito sofisticada, ou a Alemanha ainda tem minas em laboração. No entanto esta distinção de campeonatos tende a ser bastante clara, até porque se vão formando clusters que potenciam cada tipo de desenvolvimento.
Com a globalização para a Ásia e com a entrada dos países de leste na União Europeia, Portugal que era relativamente bom neste segundo campeonato, subitamente deixou de ser competitivo. Um país que, com boa qualidade, conseguia também competir no preço passou a estar fora de mercado. E assim fecharam as empresas tipo Maconde, que eram grandes empregadoras. Portugal, um país com desemprego tradicionalmente muito baixo, começo a ter algum desemprego que só veio a ser recuperado com o boom do turismo e com algumas liberdades na manipulação de estatísticas.
A ambição natural de Portugal foi fazer parte dos países de alto valor acrescentado. No entanto falhamos completamente essa entrada no clube. O falhanço nessa entrada nunca foi assumido, andámos demasiado tempo a enganar-mo-nos a nós próprios. As pouquíssimas empresas que conseguiam entrar nesse clube tornavam-se “darlings” dos jornalistas e eram hipermediatizadas. Algumas, como a OutSystems teriam mérito, mas muitas revelaram-se um flop, como a Ydreams. E sobretudo nunca estas empresas se tornaram representativas do nosso tecido empresarial e formaram clusters competitivos e com sinergias. Foram sempre outliers que foram aparecendo e desaparecendo.
A nossa falha na entrada nesse grupo dever-se-á a um conjunto alargado de razões:
- Falta de tradição nessas áreas. A produção de bens de valor acrescentado tende a requerer alguma tradição indutora de confiança. Nesse contexto a designação “made in Portugal” não era criadora de valor, mas sim destruidora. Uma marca portuguesa que se pretende internacionalizar e posicionar no “high-end” tende a utilizar um nome que disfarce a sua proveniencia lusa. Assim temos a Fly London, a Lion of Porches a OutSystems ou a Farfecht.
- Erros de gestão e falhanço das elites. Tivemos por cá pessoas como Ricardo Salgado, Zeinal Bava Nuno Vasconcelos, Manuel Pinho ou José Sócrates que capturaram interesse público e ajudaram ao naufrágio.
- Mau ecossistema de negócios. Em Portugal a burocracia é complicada, a criação de valor é malvista, o Estado é omnipresente e a corrupção existe.
Falta de capital. Um dos dramas de Portugal, que é subestimado é a falta de “stock de capital”. Portugal precisava de ter umas 50 pessoas diferentes com capacidade de mobilizar uma grande quantidade de dinheiro, digamos uns 400 milhões. Só isto faria com que as nossas empresas não fossem vendidas para estrangeiro e sobretudo que se pudessem criar os tais negócios de valor acrescentado. Para abrir uma pastelaria não é preciso muito dinheiro para abrir uma empresa d biotecnologia de ponta é. A pastelaria dará dinheiro logo que abrir a empresa de biotecnologia tem um ciclo longo. Por isso é que nós abrimos pastelarias e não abrimos empresas de biotecnologia. Claro que uma empresa de alto valor acrescentado poderá pagar salários muito mais elevados do que a pastelaria. Embora Portugal careça de capital, a sua acumulação é malvista. Proclamações como “há que perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular” têm sucesso. Nós preferimos nivelar por baixo.
Portugal viu-se assim num limbo em que não era competitiva a fazer produtos de baixo valor acrescentado e não conseguia, apesar dos esforços, entrar de forma convincente nos produtos de alto valor, isto deixando para trás um país desindustrializado.
Ora bem, ainda não sabemos como vai ser o mundo pós-covid, mas temos umas pistas. Uma tendência previsível é que se reverta grande parte do fenómeno de globalização e que a Europa proceda à sua reindustrialização. Neste contexto Portugal, que não é actualmente um actor competitivo, poderá voltar a vir a sê-lo. Se calhar não é a história que todos gostaríamos de ouvir, mas, em termos realistas, para Portugal o melhor cenário passa por essa reindustrialização. Portugal tem que se revelar um competidor sólido nesse campeonato para então poder atacar de forma muito mais consistente, e financeiramente musculado, o campeonato dos produtos de alto valor acrescentado. É evidente que esta separação não é clara nem abrupta. Esperamos que Portugal consiga manter e desenvolver já, e cada vez mais, empresas de alto valor acrescentado. Mas não tenhamos ilusões, o grosso da nossa criação de valor não vai passar por aí. Portugal precisa e dar esse passo atrás para poder depois dar definitivamente um forte impulso para a frente.