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BandaLarga

as autoestradas da informação

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Em defesa da sociedade livre - Um desabafo

EM DEFESA DA SOCIEDADE LIVRE, UM DESABAFO

Embora não querendo politizar demasiado a leitura desta crise, não abdico do meu sentido crítico. Até acho que globalmente as coisas por cá estão a correr globalmente bem, no entanto, como é saudável em democracias exigentes, é bom que passada a tormenta se faça um balanço e se afira o que correu da melhor forma e os pontos a melhorar.

Não pretendendo, pois, entrar no debate da política do dia-a-dia, há um aspecto que gostaria de comentar. Há pessoas que têm utilizado esta crise para atacar a sociedade livre, onde se valoriza a iniciativa individual e a criatividade, e onde a pluralidade é bem vista. À sociedade livre chamamos também muitas vezes “sociedade capitalista”, e é esse o nome que os seus detractores costumam utilizar.

Venho lembrar que num mundo que se encontra numa situação absolutamente excepcional, o sector que se tem revelado mais resiliente é o da produção e distribuição de alimentos. A oferta continua a existir na sua plenitude e os problemas que surgem associados a este sector estarão na procura, onde há um grupo muito significativo de pessoas se viu, de repente, sem rendimentos e consequentemente privado de poder aquisitivo. Atribuir aos poderes públicos aquilo que funciona, e ao privado o que não funciona, não passa no teste da realidade. Já agora, o inverso também não, a resposta do sistema público de saúde, sobretudo devido ao brio dos seus profissionais, tem sido globalmente positiva, atendendo às condições extremas que uma crise destas significa.

E pronto, já desabafei. Já disse que tenho desprezo por Lenines de pacotilha, desejosos de impor aos outros um modelo que sempre falhou, mas no qual conseguiriam disfarçar a sua imensa mediocrida

O modelo de desenvolvimento dos últimos 20 anos foi um absoluto fracasso

(Procurei escrever um post mais a sério acerca das perspectivas que se oferecem a Portugal. Como ficou relativamente longo, não corro o risco de ser muito lido, pelo que as suas eventuais falhas não serão particularmente notadas)

PORTUGAL QUE FUTURO II

Disse aqui que Portugal estava especialmente mal preparado para enfrentar o choque desta crise por duas razões, o país está sobre-endividado e o turismo, a nossa indústria mais competitiva, deverá ser a que mais vai sofrer no curto prazo.

No entanto, como é óbvio o país não vai desaparecer, e até talvez se possa tornar mais interessante e competitivo.

Antes de mais uma constatação, o modelo que o nosso país perseguiu nos últimos vinte anos foi um fracasso completo. Portugal, descontando países em guerra, deverá ter sido o terceiro pior país do mundo, em termos de crescimento económico. Só visões profundamente alienadas podem dizer que íamos bem ou que “somos os melhores do mundo”. Tirando casos pontuais, um recém-licenciado se quiser um ordenado decente, tipo 2.000€ tem que emigrar, por cá ganhará bem menos de metade disso. O nosso melhor talento vai-se embora e apenas acredita no país para fazer férias.

Este estado a que chegámos vai além das simples opções políticas menos boas que tomámos. Portugal jogava num tabuleiro de jogo claramente desfavorável, ora vejamos. Simplificando, há duas maneiras de produzir riqueza, uma é fazendo produtos de altíssimo valor acrescentado através de criar marcas de forte valor, criar designs únicos, desenvolver tecnologias únicas e sofisticadas. Serão exemplo disso a investigação farmacêutica, a criação de marcas de luxo, o desenvolvimento de software, a engenharia de ponta e por aí fora. A outra forma é ter actividades de mão de obra intensiva, que muitas vezes fabricam os produtos que os trabalhadores de alto valor acrescentado conceberam. Esta separação de campeonatos não é estanque, por exemplo um Brasil pouco sofisticado tem uma Embraer muito sofisticada, ou a Alemanha ainda tem minas em laboração. No entanto esta distinção de campeonatos tende a ser bastante clara, até porque se vão formando clusters que potenciam cada tipo de desenvolvimento.

Com a globalização para a Ásia e com a entrada dos países de leste na União Europeia, Portugal que era relativamente bom neste segundo campeonato, subitamente deixou de ser competitivo. Um país que, com boa qualidade, conseguia também competir no preço passou a estar fora de mercado. E assim fecharam as empresas tipo Maconde, que eram grandes empregadoras. Portugal, um país com desemprego tradicionalmente muito baixo, começo a ter algum desemprego que só veio a ser recuperado com o boom do turismo e com algumas liberdades na manipulação de estatísticas.

A ambição natural de Portugal foi fazer parte dos países de alto valor acrescentado. No entanto falhamos completamente essa entrada no clube. O falhanço nessa entrada nunca foi assumido, andámos demasiado tempo a enganar-mo-nos a nós próprios. As pouquíssimas empresas que conseguiam entrar nesse clube tornavam-se “darlings” dos jornalistas e eram hipermediatizadas. Algumas, como a OutSystems teriam mérito, mas muitas revelaram-se um flop, como a Ydreams. E sobretudo nunca estas empresas se tornaram representativas do nosso tecido empresarial e formaram clusters competitivos e com sinergias. Foram sempre outliers que foram aparecendo e desaparecendo.

A nossa falha na entrada nesse grupo dever-se-á a um conjunto alargado de razões:

- Falta de tradição nessas áreas. A produção de bens de valor acrescentado tende a requerer alguma tradição indutora de confiança. Nesse contexto a designação “made in Portugal” não era criadora de valor, mas sim destruidora. Uma marca portuguesa que se pretende internacionalizar e posicionar no “high-end” tende a utilizar um nome que disfarce a sua proveniencia lusa. Assim temos a Fly London, a Lion of Porches a OutSystems ou a Farfecht.

- Erros de gestão e falhanço das elites. Tivemos por cá pessoas como Ricardo Salgado, Zeinal Bava Nuno Vasconcelos, Manuel Pinho ou José Sócrates que capturaram interesse público e ajudaram ao naufrágio.

- Mau ecossistema de negócios. Em Portugal a burocracia é complicada, a criação de valor é malvista, o Estado é omnipresente e a corrupção existe.

Falta de capital. Um dos dramas de Portugal, que é subestimado é a falta de “stock de capital”. Portugal precisava de ter umas 50 pessoas diferentes com capacidade de mobilizar uma grande quantidade de dinheiro, digamos uns 400 milhões. Só isto faria com que as nossas empresas não fossem vendidas para estrangeiro e sobretudo que se pudessem criar os tais negócios de valor acrescentado. Para abrir uma pastelaria não é preciso muito dinheiro para abrir uma empresa d biotecnologia de ponta é. A pastelaria dará dinheiro logo que abrir a empresa de biotecnologia tem um ciclo longo. Por isso é que nós abrimos pastelarias e não abrimos empresas de biotecnologia. Claro que uma empresa de alto valor acrescentado poderá pagar salários muito mais elevados do que a pastelaria. Embora Portugal careça de capital, a sua acumulação é malvista. Proclamações como “há que perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular” têm sucesso. Nós preferimos nivelar por baixo.

Portugal viu-se assim num limbo em que não era competitiva a fazer produtos de baixo valor acrescentado e não conseguia, apesar dos esforços, entrar de forma convincente nos produtos de alto valor, isto deixando para trás um país desindustrializado.

Ora bem, ainda não sabemos como vai ser o mundo pós-covid, mas temos umas pistas. Uma tendência previsível é que se reverta grande parte do fenómeno de globalização e que a Europa proceda à sua reindustrialização. Neste contexto Portugal, que não é actualmente um actor competitivo, poderá voltar a vir a sê-lo. Se calhar não é a história que todos gostaríamos de ouvir, mas, em termos realistas, para Portugal o melhor cenário passa por essa reindustrialização. Portugal tem que se revelar um competidor sólido nesse campeonato para então poder atacar de forma muito mais consistente, e financeiramente musculado, o campeonato dos produtos de alto valor acrescentado. É evidente que esta separação não é clara nem abrupta. Esperamos que Portugal consiga manter e desenvolver já, e cada vez mais, empresas de alto valor acrescentado. Mas não tenhamos ilusões, o grosso da nossa criação de valor não vai passar por aí. Portugal precisa e dar esse passo atrás para poder depois dar definitivamente um forte impulso para a frente.

 
 
 
 
 
Comentários

Coronavírus - consequências na política

CORONAVÍRUS - CONSEQUÊNCIAS NA POLÍTICA

Obviamente que nesta altura as “millions dollar questions” é saber quanto tempo vai durar a pandemia, quantas vítimas vai fazer, quantas vagas vai ter e que consequência económica vai ter.

No entanto, também estou curioso de saber quais serão as consequências políticas em diversos tabuleiros, e aqui também os meus eventuais palpites estão carregados de incerteza. Será interessante saber:

Como esta crise irá influenciar as presidenciais norte-americanas? Em tempo de crise os povos tendem a unir-se e como tal seria natural que se unissem em torno de Trump, aconteceu por exemplo o mesmo em torno de Bush após o 11 de Setembro. No entanto, a forma errática como Trump tem conduzido todo este dossiê impede-me de ter qualquer convicção.

Será que esta crise irá abalar duas das poucas teocracias que restam, a iraniana e a chinesa? No caso da iraniana talvez, embora o Paulo Casaca esteja muito mais habilitado a opinar que eu acredito que pode gerar as fissuras conducentes a que o regime trema e eventualmente caia. No caso da outra teocracia, a chinesa, ela poderá ser abalada, mas acredito que os meios de controle social de que o regime dispõe impedirá a sua queda. Chamei teocracia a ambos os regimes pois se no caso do Irão o mesmo é inspirado pelo Deus corânico, no caso da China o regime é inspirado pelo Deus Partido Comunista Chinês.

António Costa terá que conduzir uma política de extrema austeridade, que consequências tal terá para a sua popularidade? Em princípio poderíamos dizer que nenhumas pois Costa não será responsável pelo meteorito que nos caiu em cima. Poderemos eventualmente culpabilizá-lo de algumas decisões que não nos terão preparado da melhor forma, contudo até isso é discutível. Está então Costa totalmente salvaguardado de contestação política? Não absolutamente, Passos Coelho não foi responsável por ter que aplicar uma política de austeridade num país tornado insolvente por um governo corrupto, e não foi por causa disso que as pessoas não diziam constantemente “a culpa é do Passos Coelho”. Eu sei que face à esquerda há mais condescendência, ainda assim vamos ver.

Sem pingo de nobreza

A INICIATIVA NÃO TEM UM PINGO DE NOBREZA

Estes indivíduos vivem numa realidade alternativa, com poucos pontos de contacto com o mundo em que vivemos.
Eu não me oporia a que alguma arte, que fosse especialmente relevante para o sentimento nacional desses países, regressasse ao seu território de origem. Não entendo que tal implique toda a arte, pois a arte africana, dos territórios por onde andámos, também faz parte da nossa História, da História do colectivo português. Mas, como disse, se do ponto de vista do simbólico esse regresso fosse importante não me oporia.

Agora pensemos, não em termos do mundo alienado de Joacine, mas nos termos de um mundo concreto. A Guiné-Bissau, de onde é originária a senhora, é o segundo país com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano. É um Estado falhado, onde nada funciona. O sistema de saúde não funciona, e o pouco que existe é minado pela corrupção. Em algumas zonas do país a taxa de analfabetismo é superior a 90%. Existe uma grande desigualdade no acesso à educação entre géneros, às raparigas não se lhe concede esse direito. Infelizmente, os golpes de Estado são relativamente comuns. Quando ocorrem, algumas das estruturas do Estado são arrasadas. Em nos golpes militares de 1998-1999 o palácio presidencial e as residências para convidados estrangeiros foram destruídas.

Alguém, com algum contacto com a realidade, acredita que um país destes estaria em condições de criar, e manter, estruturas museológicas para acolher dignamente os artefactos que tivessem vindo de Portugal? E alguém tem dúvidas que, se as peças transferidas fossem de qualidade, passado um mês estariam à venda em Londres, enriquecendo um qualquer ladrão corrupto? E alguém acredita que em Moçambique seria muito diferente? Mesmo para Angola, claramente mais desenvolvida, a criação de estruturas museológicas de acolhimento de certeza que não será uma prioridade, num país que não consegue dar cuidados de saúde básicos à sua população.

Por muito que doa aqueles que têm profundo ressabiamento contra Portugal, a melhor forma de preservar a memória etnográfica e artística colectiva desses países é manter os artefactos por cá. Se um dia, como todos desejamos, as condições desses países forem outras talvez este assunto possa ser pertinente.
Neste momento, a colocação do assunto na agenda mediática serve apenas para querer marcar “o fardo do homem branco” e acentuar ódios e ressentimentos. Afinal é desse ódio que vários dos seus promotores vivem, e não vivem mal.

Por muito que me esforce, não consigo ver um pingo de nobreza nesta iniciativa.