É bom lembrar o que estava em causa. É verdade que o governo e o presidente da república não eram obrigados a reconduzir a Procuradora-Geral da República. Mas nas actuais circunstâncias, era perfeitamente legítimo esperar que o fizessem. Primeiro, porque a justiça portuguesa não tem simplesmente entre mãos uns quantos casos melindrosos, mas, segundo a acusação da Operação Marquês, uma conspiração para subverter a democracia, a qual só no mandato da Dra. Joana Marques Vidal pôde ser investigada. Segundo, porque o governo é neste momento exercido por antigos colegas de José Sócrates. Por tudo isto, talvez se pudesse esperar do governo e do presidente da república um zelo redobrado para não deixar nenhumas dúvidas de que o poder político não pretendia de modo nenhum influenciar o curso da justiça ...
Nos próximos tempos dois conhecidos políticos vão entrar na prisão. A maior operação de investigação ( Sócrates e Ricardo Salgado) vai entrar na segunda fase, a de instrução, sendo quase certo que a acção avançará para tribunal
A Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, a quem se deve em larga medida estes resultados será substituída.
Há coisas do caneco...
Nos anos 80 e 90 estávamos bem longe de a Justiça conseguir obter estes resultados mas, a verdade, é que há muito político e gente de dinheiro preocupada com o que ainda poderá sair das acções a correr. E isso exerce uma pressão tremenda sobre o poder político .
Mas será possível a um novo titular da PGR parar ou eliminar os avanços concretizados pela actual PGR ? Não parece possível sem enfrentar uma enorme resistência de quem no Ministério Público tem agora menor dependência do poder político. E essa luta a travar-se representaria um enorme desgaste para o governo .
Os próximos tempos são muito importantes para o aprofundamento da Democracia em Portugal
Alguns socialistas não gostam de Marques Vidal por causa do caso José Sócrates e da Operação Marquês. Outros não gostam por causa dos casos Armando Vara ou de Maria de Lurdes Rodrigues. Outros ainda pediram “uma vassourada no Ministério Público” quando a PGR constituiu arguidos três secretários de Estado do Governo PS por causa das viagens da Galp. Há quem não goste porque o inquérito criminal às PPP, que envolve ex-governantes de governos de Sócrates, está em fase de conclusão e já se sabe que haverá arguidos. Outros embirram com a Procuradora por causa da operação Tutti Frutti que investiga várias adjudicações de obras por parte de autarquias controladas pelo PSD e PS. Há depois aqueles que não gostaram da investigação aos CMEC e muito menos gostaram das investigações a Manuel Pinho e ao dinheiro que terá recebido do saco azul do Grupo Espírito Santo. Mas isto na política e na Justiça é como na arquitetura, gostos não se discutem, lamentam-se.
António Costa não perde oportunidade para vincar que a substituição da Procuradora Geral da República é uma certeza pese a opinião do Presidente da República . Mas não vai ser fácil esquecer a herança de Joana Marques Vidal tal é a força do seu mandato.
A Operação Marquês ou o caso GES/BES teriam chegado onde chegou com Pinto Monteiro ou outro PGR com igual interpretação dos poderes/deveres do Ministério Público?
A própria Joana Marques Vidal disse uma curiosa frase em junho passado: “Não será fácil perder-se a minha herança”.
A afirmação, mais do que fruto de imodéstia, é um óbvio recado para os escrutinadores da Justiça e para a opinião pública: certifiquem-se que o caminho traçado não será subvertido pelo poder político com a conivência de quem lhe suceder.
É por isso que as inúmeras investigações desencadeadas pelo Ministério Público sob a liderança de Marques Vidal vão ter mesmo de chegar a bom porto - isto é, à barra dos tribunais, para julgamento.
Por mais legítima que seja, por mais racional e cuidada que venha a ser, qualquer decisão ficará sempre marcada pela intriga. O próximo PGR nascerá estigmatizado por uma espécie de reserva de desconfiança. A escolha ficará para sempre sob suspeita. Para salvar ou condenar Sócrates? Para liquidar ou ressuscitar Salgado e o Grupo Espírito Santo? Para ocultar ou trazer à luz do dia administradores do BES e do GES que se têm mantido na sombra? Para ajudar ou prejudicar os socialistas? Para sentenciar ou poupar Granadeiro, Bava, Vara, Penedos, Vicente, Oliveira e Costa, Lalanda, Macedo e outros? Para afastar do horizonte ou renovar a questão da lista das 200 personalidades dos Panamá Papers de que tanto se fala? Para arredar de uma vez por todas ou trazer à superfície o persistente rumor sobre as gravações alegadamente nunca destruídas das escutas telefónicas de Sócrates e de muitos políticos e empresários?
A renovação do mandato da actual procuradora (que parece ter feito excelente trabalho) ou a sua substituição têm de resultar da vontade explícita do governo e do Presidente da República. Creio que nunca saberemos o que pensam a ministra, o primeiro-ministro, a procuradora e o Presidente da República. Só sabemos que há gente interessada em liquidar o fim do mandato da actual procuradora, em tornar ilegítima a nomeação futura, em fragilizar o Presidente da República e em perturbar o curso de alguns dos mais difíceis processos da história do país dos últimos cem anos!
Há dois processos de uma enorme importância que terão desenvolvimento nos próximos dez meses. O processo Marquês que assombra o PS e o processo do angolano Manuel Vicente que bloqueia o governo.
A ministra é de origem angolana o que também contribui para o agudizar das relações Portugal-Angola . Não podemos tomar como válida a ideia de que as declarações da ministra se deveram a um mau momento.
Na verdade a dez meses de distancia do fim do mandato não se fala em renovação a não ser para fragilizar ou fortalecer a PGR . Se a ministra apoiasse a PGR estava a fortalece-la para os combates que se adivinham . Ao declarar a sua indisponibilidade para renovar o mandato está a fragilizá-la. Não há como escapar a esta lógica.
Acresce que a renovação do mandato da PGR não é da competência da ministra da Justiça mas sim da competência conjunta do primeiro ministro e do Presidente da República . O 1º ministro propõe o presidente confirma ou não. É assim que está na Constituição.
Os argumentos apresentados pelo governo pela boca da ministra e do primeiro ministro não colam. Tudo indica que estavam feitos num teste à reacção da sociedade, dos partidos e do próprio Marcelo Rebelo de Sousa. E o padrão da manobra tem o perfil a que António Costa nos habituou .
Mas os estragos na figura da PGR são enormes e não recuperáveis. Não creio que após esta manobra Joana Marques Vidal aceite renovar o mandato.
O objectivo para afastar a PGR que enfrentou os poderosos está, pois, conseguido .
Há um antes e um depois da actual Procuradora Geral da República . Antes, na PGR, arquivavam-se processos, rasgavam-se dossiers e destruíam-se escutas. Depois, na PGR, investigam-se poderosos e levam-se a tribunal.
Nada pode ser mais dramático para o PS . Basta atentar nos processos de investigação em curso.
E a golpada está a caminho. Inventa-se um argumento pseudo constitucional de limitação de mandatos da PGR quando sabemos que pelo menos um deles no passado cumpriu quatro mandatos consecutivos. Depois porque os constitucionalistas ( os que estiveram envolvidos na revisão da Constituição) são unânimes em dizer que o espírito e a letra da Constituição é da não limitação de mandatos.
Mas esta PGR é pouco maleável, vai mesmo levar os processos em que estão envolvidos conhecidos dirigentes do PS, a tribunal.
É, claro, que esta decisão que está agora a ser testada junto da população é política, tem como objectivo permitir que o actual governo intervenha na Justiça através de gente mais próxima e menos rigorosa.
Hoje na Assembleia da República viu-se mais uma vez a caricatura de um primeiro ministro que não assume nada, que não sabe de nada e que se esconde atrás da ministra da Justiça, como já se escondeu atrás da ex-ministra da administração interna no verão passado. E atrás do ministro da Defesa no caso que não foi roubo de armas em Tancos.
E que também não sabe nada sobre o caos das urgências nos hospitais e da alimentação com lagartas e do aquecimento que falta nas escolas.
Este primeiro ministro é uma assombração de si próprio . Esperemos que o Presidente da República seja a assombração final .
Isto não me surpreende. Uma das coisas que tem caracterizado o governo Costa é o assalto a todos os cargos públicos, a expansão tentacular do poder socialista, sem vergonha, sem rodeios, à descarada. O mandato de Joana Marques Vidal acabará por ficar marcado por um ataque sem precedentes à corrupção, e isso como é abundantemente sabido tem ferido os interesses do PS no coração: assim de repente que me lembre estão um primeiro-ministro socialista e o que era o banqueiro da podridão regimental a braços com a justiça. Resta-nos esperar que o Presidente da República faça valer as suas prerrogativas na infeliz sucessão de Joana Marques Vidal. Isto é das coisas mais graves que se vão passar durante o governo Costa. A mafia não perdoa.
Dizem que são eticamente melhores dos que não pensam como eles.
O argumento com que o faz é mais uma piedosa mentira. Pelo menos um dos PGR anteriores esteve no cargo cerca de 15 anos .
Mas é claro há PGR que levam poderosos à Justiça e há PGR que rasgam folhas de processos e destroem escutas.
No outro dia uma conhecida jornalista dizia que consultava o processo Casa Pia - com nomes poderosos envolvidos - e as folhas estão lá todas e consulta o processo Marquês e faltam folhas às dezenas.
Há importantes decisões a tomar em vários processos importantes e o que este governo faz é afastar quem sempre mostrou independência face ao governo . Quem espera o governo enganar ?
A escassos meses dos incêndios do passado verão onde morreram 110 pessoas, este governo também afastou uma série de profissionais da Proteção Civil e colocou em seu lugar os boys e girls socialistas com as consequências conhecidas.
Mal comparado é o que está a acontecer na Justiça para já com a substituição de Joana Marques Vidal. O cargo será ocupado por alguém menos independente e mais maleável .
Mais uma vez o governo das esquerdas toma decisões em causa própria, todos nós sabemos que o processo que envolve José Sócrates - com 4 000 folhas para estudar - está numa fase fundamental em que se decidirá se o ex-primeiro ministro será ou não acusado e levado a julgamento.
A decência manda que o governo - num caso que envolve um dos seus e não sabemos se mais alguns - não se envolva com decisões desta natureza que apontam com clareza para a lavagem do que foi instruído ao longo destes anos. E o que acontecerá aos magistrados que instruíram o processo de investigação ?
Por interesse de serviço também serão afastados ? A sociedade civil e as magistraturas não podem calar a indignação.
Tudo mudou logo que Passos Coelho nomeou para Procuradora Geral da República Joana Marques Vidal . Deixou de haver intocáveis e o Minstério Público passou a ter tempo para fazer perguntas aos poderosos.
E foram apeados o ex-PGR, o Presidente do Supremo, a directora do CIAP e o director europeu que fazia a ligação entre a justiça europeia e a portuguesa. Deixou de haver destruição de escutas e amputação de processos.
No outro dia dizia uma conhecida jornalista," vou ao Processo da Casa Pia e não há falta de páginas que tenham sido rasgadas mas vou a outros processos e estão incompletos". O que é isto ?
E até houve a coincidência de um almoço na véspera da prisão de um ex-primeiro-ministro com um ex-PGR.
O que está em investigação é o mais importante processo da justiça portuguesa, é o coração político, económico e financeiro . O estado, a mais importante empresa e o maior banco privado.
Agora seguir-se-á o julgamento e manter-se-á a presunção de inocência, o normal num estado de direito. Até lá vamo-nos entretendo a ler as 4 mil páginas do despacho da acusação, num processo que deve muito a Joana Marques Vidal só pelo facto de ter chegado à fase da acusação.