O Estado há muito que está abocanhado pelas corporações de interesses.O Estado direcciona as políticas públicas para as classes profissionais e nunca para o cliente final, o cidadão. Vivemos num Estado que insiste em não colocar no centro da sua política o aluno ou o utente.
Prefere mil vezes discutir carreiras, salários, reformas e pensões, dotações orçamentais e recursos humanos, do que perceber se está ou não a servir quem deve.E é por isso que passamos os últimos quatro anos a discutir a devolução de rendimentos para a Função Pública, fim dos contratos de associação com colégios privados ou o fim das PPP na saúde, em vez de tentar perceber como ter alunos mais bem preparados ou os melhores cuidados médicos para a população.
A razão da sobrevivência é a natureza do regime – uma democracia corporativa, por oposição a uma democracia liberal. A sociedade portuguesa está organizada por corporações (quem não pertence a uma corporação é um autêntico pária). As corporações concorrem entre si pela alocação dos recursos do Estado (sempre em nome do interesse nacional, claro). Os partidos são um dos veículos – em muitos casos, o principal deles – pelos quais as corporações ganham ou perdem posições relativas na distribuição dos recursos do Estado. Simplesmente, não há sociedade civil alternativa ao mundo das corporações (consequentemente, ao mundo dos partidos). Possivelmente, nunca houve. Logo, o regime tem por base as únicas forças vivas do mundo português – as corporações. A estagnação económica e o alheamento eleitoral são perfeitamente sustentáveis durante muito, muito tempo, enquanto as corporações assim entenderem.
Está na altura de o país tentar uma opção com menos estado e mais sociedade. O Estado corporativo de Salazar após 40 anos de Democracia está quase intacto . Com este Estado com poder a mais já vimos que não saímos da cauda da Europa.
Quando se insistir que o Estado tem poder a mais em Portugal – manda demais, regulamenta demais, intromete-se demais, protege demais e protege mal (pois não protege apenas os necessitados, protege também os poderosos quando estão aflitos). Quando se disser que o problema do Estado não é ter burocracia a mais (para isso servem os simplexes deste mundo), mas ter o poder de se intrometer em quase todos os domínios da nossa vida, e na vida das nossas empresas. Quando se disser que uma sociedade comparativamente pobre, como é a portuguesa no quadro da União Europeia, não pode pagar tantos impostos e tantas contribuições, que a escolha é entre devolver dinheiro aos cidadãos e às empresas ou devolver dinheiro aos funcionários públicos e às corporações. Quando se assumir que a reforma do Estado é para acabar com muitas das suas funções tentaculares, com muitos dos seus privilégios (4,5 funcionários por cada chefe na Direção-Geral da Segurança Social? “Benefício adicional de mais 12 dias anuais de não trabalho”?) e com todas aquelas regras que permitem aos funcionários agir discricionariamente, preconceituosamente.
O partido-estado e a constelação de poderes que lhe está subjacente fazem ruir qualquer tentativa de “equação orçamental” que procure responder aos problemas estruturais da sociedade portuguesa. O partido-estado é um partido transversal, é um transpartido que acolhe cerca de 6 milhões de portugueses que, directa ou indirectamente, dependem das suas remunerações, benefícios, prestações e contratos. Este partido-estado atravessa transversalmente o espectro político-partidário português, é o único que não vai a eleições e que não é escrutinado pelo povo que diz servir. O partido-estado é a vaca sagrada do regime, o seu derradeiro tabu. Representa quase 50% da riqueza anual produzida num país que “se recusa a crescer”.
Um estado montado com base no corporativismo e protecção industrial salazaristas que o 25 de Abril não destruiu. O argumento de que deve ser o Estado a mandar na economia permitiu a construção de uma rede cruzada de interesses instalados e partidários que, esta sim, controla os recursos e as decisões do Estado. Este problema só é resolvido se o Estado não tiver o poder para decidir que empresas e empresários é que têm sucesso.