Já podemos usar as crianças nas manifestações
Uma Blasfémia
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Uma Blasfémia
Morreu a criança filha de Portugueses que vivem no Dubai. Os pais tinham constituido um seguro para custear as despesas com o parto. Viemos a saber que o facto da criança ser prematura o seguro não cobria as despesas hospitalares.
Mais uma vez a sensação que fica é que a apólice de seguro cobria as despesas se tudo corresse bem. Como correu mal e porque a diária num hospital no Dubai está muito para além da capacidade financeira de um casal que vive do seu trabalho, o que vimos foi um "filme negro". Não há dinheiro não há internamento nem tratamentos.
Somos frequentemente confrontados com este paradoxo. As apólices de seguro só cobrem as despesas ditas normais.Ora, por definição, fazer um seguro é cobrir as despesas não previstas que estão para além da capacidade financeira do tomador do seguro. Aliás, tudo nos é apresentado como se assim fosse, mas depois lá estão as letras "pequeninas" que ninguém lê e que em caso de acidente libertam a companhia seguradora de responsabilidades.
A história da criança do Dubai mostra bem como é importante que a Europa mantenha e proteja o estado social. Isso obriga a um grande rigor na despesa, a cortar no desperdício e a pagar segundo o mérito. Quem pensa que, ao contrário do Dubai, é possível ao Serviço Nacional de Saúde cobrir toda e qualquer despesa está enganado ou está de má fé. Mas o certo é que num caso ou noutro não ajuda nada, só lança a confusão.
Se actualmente é difícil falar em crianças, a abordagem à temática fica mais complicada quando temos limitações do número de palavras. Mas, vamos a isso.
Dentro das várias definições de infância e criança usadas nos meus textos, há duas que me satisfazem. Criança, é um ser humano no início do seu desenvolvimento fisiológico e social que depende dos seus adultos na alimentação, nos sentimentos, no carinho, no vocabulário e no abrir da sua imaginação para entender como se desenvolve o mundo. Adultos que podem ser os pais, os tutores ou um conselho de família. Infância é a pessoa que nasce, cresce, aprende a vida intra social. Na cronologia da vida, essa criança passa a etapa da infância. Conceito que transcorre, idealmente, desde a nascença até à idade púbere, idade em que o indivíduo se torna fisiologicamente apto para a procriação de outros seres humanos. Atenção, referi reprodução fisiológica. Será que é adequado ter cromossomas só para reproduzir seres humanos? Em todos os meus textos tenho dito que isso não é suficiente. Aliás, a própria História assim parece provar. Uma palavra cheia de distinções na cronologia do tempo e conforme seja a hierarquia social. Criança, em consequência, não é um conceito biológico, é muito mais, é um conceito social. Motivo pelo qual o meu amigo e colega na cátedra do Collège de France em Paris, Pierre Bourdieu, o sábio dos sábios em ciências do homem, nunca quiseram estudar o pré púbere, como poucos de nós tem feito. Os cientistas, excepto os analistas clínicos, têm experimentado evitar a análise da infância. Muitos cientistas, envolvem a criança dentro das relações sociais, centrando, no entanto, os seus estudos nas relações. Poucos Antropólogos começam a análise social a partir dos mais novos. Normalmente, estudam instituições, como a família ou os amigos, ou seja as interacções sociais.
Maurice Godelier em 1981, editou um livro pela Fayard, La Reproduction des Grandes Hommes para analisar a passagem de criança a adulto, como David Herdt em 1987, entre os Sambia da Nova Guiné, ou eu próprio, entre os Picunche, clã da Nação Mapuche que habita na área Sul da Cordilheira dos Andes. Assistir à passagem de criança para a infância, é duro. Envolve elementos sexuais para provar, ao mais novo, que um dia terá esperma para multiplicar os membros da população. Para tal, é preciso observar as relações eróticas entre um púbere e uma criança, que oferece o seu esperma, antes de casar com a irmã do iniciado.
O ritual denomina-se fellatio, e quem é alimentado pelo púbere é quem ainda não entrou numa mulher, permanece com a criança até ser adulto, por outras palavras, até que ele próprio produza sémen. Ritual praticado entre os Baruya, os Sambia e os Picunche. Quando apresentei o meu livro do ano 2000: O saber sexual das crianças. Desejo-te porque te amo, Afrontamento, Porto, o auditório ficou escandalizado.
Devo confessar que eu também, ao viver na casa dos homens entre os Picunche e observar o que observei. A prova final é uma masturbação colectiva entre as já não crianças, mas infantes, acompanhados pelo rapaz que lhes deu o seu sémen, que, acabado o ritual, casa com a irmã do seu iniciado, à qual acede apenas para engendrar filhos, continuando a morar na casa dos homens tendo o seu iniciador como companheiro. Não é homossexualidade, é um rito de passagem que, entre nós, também se pratica, não como cerimónia, mas como felonia, ao correr dinheiro entre a criança e, neste caso, o seu violador. É apenas pensar no caso da casa Pia.
A criança, passa a adulto, a seguir à fellatio ritual. Entre nós, depois de namorar uma rapariga que é a nossa companheira, mesmo que o seja pela via do aparecimento de filhos.
Falar de criança e a sua passagem ritual a adulto, é, por vezes, difícil de relatar sem ofender…
Raul Iturra
1 de Novembro de 2014.
lautaro@netcabo.pt