A seguir aos brasões do Jardim de Belém vai a esfera armilar da bandeira
Deixo-vos a minha intervenção de hoje no Debate da Actualidade sobre os brasões da Praça do Império na Assembleia Municipal de Lisboa.
“Senhor Presidente da Assembleia,
Na sua pessoa cumprimento todos aqui presentes.
Há que criar consensos, mas muita coisa foi dita que não pode ser ignorada. O tema não se esgota hoje e teremos muito trabalho pela frente no âmbito das comissões.
Mas há certas coisas que têm de ser ditas.
Bem pode o senhor vereador Sá Fernandes repetir 62 vezes numa entrevista que não é uma questão ideológica porque o seu discurso em 2014 foi bem claro no sentido de ser essa, exactamente, a questão. Foi o senhor vereador que deu o tom à discussão, dizendo que quem defendia os brasões estava, no fundo, a defender o colonialismo. Se não se lembra do que disse nessa altura, então está na hora de se reformar.
É certo que os Brasões da Praça do Império não fazem parte do projecto inicial delineado para a Exposição do Mundo Português, de 1940. Mas estão desde 1961 inseridos naquele espaço, representando “os escudos das capitais dos distritos do continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas” tal como descrito na página 643, dos Anais da Câmara Municipal de Lisboa desse ano, e na qual se acrescenta existirem ainda mais três escudos: o da Ordem de Avis, da Ordem de Cristo e as Armas de Portugal.
Há fundamentalmente duas linhas de argumentação desta questão: a ideológica e a prática.
A prática é a de que há impossibilidade de recuperação do trabalho floral porque já não há profissionais em Portugal qualificados para isso. A culpa aqui é da Câmara, pela sua negligência e desinteresse em apostar na formação dos jardineiros que poderiam continuar aquela arte. E é uma vergonha que seja exactamente o vereador dos espaços verdes que queira retirar o que resta do maior grupo de arte topiário heráldico existente na Península Ibérica.
Os brasões podem não estar com a definição com que foram construídos, mas estão visíveis, e já aqui mencionei como, há anos, tirei ervas daninhas dos mesmos e o seu formato ficou mais nítido.
A retirada dos buxos que estão lá e marcam o que resta dos brasões e a sua não recuperação não são uma forma de revisionismo histórico. É uma tentativa de apagar a memória. E isso é claro no projecto proposto pela Câmara.
Relendo a proposta de renovação daquele espaço, datada de 2014, e assinada pelo Senhor Vereador Sá Fernandes, percebemos logo que, desde o seu início, a intenção foi a de apagar estes elementos.
Proopositadamente, menosprezam o significado e a presença dos brasões, abrindo por isso caminho à ausência dos mesmos no projecto vencedor. Isso foi, em nossa opinião, uma clara forma de condicionar, de orientar, logo à partida, os projectos a concurso.
Como sabemos o projecto vencedor, que nas duas primeiras versões foi chumbado pela DGPC, não inclui os Brasões, e o discurso oficial da Câmara é de que não há nenhum projecto de retirada de qualquer brasão, porque estes já não existem há décadas. O que, como vimos, não é verdade.
Depois o segundo argumento: a questão ideológica. Não querem lá os brasões porque são a memória de um passado colonialista que tem de ser apagado, portanto, querem recuperar o projecto inicial de Cotinelli Telmo. Esquecem-se que o próprio projecto de Cotinelli Telmo era imperialista e exaltava, exactamente, aquilo que vocês querem abater. Senhores, isso é a mesma coisa que retirar a esfera armilar da bandeira portuguesa que a República manteve de um passado imperialista e ultramarino. Ou, já agora, a esfera armilar na cúpula neo-manuelina dos Jerónimos, quando a cobertura original daquela torre era de telhado em madeira.
E o maniqueísmo defendido aqui por muitos deputados é completamente despropositado e utilizado como arma fracturante de uma sociedade, para além de revelar uma falta de compreensão do que é respeitar o que faz parte, naturalmente, da nossa História.
Alguma argumentação que aqui já foi utilizada lembra-me uma pequena história pessoal.
Quando cheguei do Brasil com cerca de 6 anos, fui a um colégio onde me perguntaram se eu conhecia alguma coisa da História de Portugal. Falei em D. Afonso Henriques, que era o meu herói, e recitei alguns trechos d’Os Lusíadas. Perguntaram-me se tinha sido o meu pai a ensinar-me, já que ele é um militar português. Eu respondi que não, fora a minha mãe. Ao que questionaram, “Aline, a sua mãe é fascista?” . E eu respondi, com a naturalidade infantil, não, ela é ucraniana.
E é exactamente esta lógica absurda que eu encontro em muita da vossa argumentação, senhores: chamam ignorantes, como fez o senhor Presidente da Câmara, a quem discorda das vossas opiniões e tendem a chamar de colonialistas fascizóides a quem, apenas, não quer apagar a História e preservar a memória, em contraste com um complexo qualquer.
Ninguém aqui defendeu ou defende a recuperação do império colonial territorial português: apenas quer-se preservar aquilo que foi o registo de um passado. Não é retirando os brasões daquela praça que irão mudar o que foi a História de um país nem as partes menos positivas que, inevitavelmente, qualquer império tem.
E se os países que têm os brasões de algumas das suas províncias ali representados nunca se insurgiram contra a sua presença, porque são inteligentes e têm noção que fazem parte de uma altura em que tiveram um passado comum com Portugal, eu pergunto, quem sois vós para o fazer?
Como se diria em Frei Luís de Sousa: Ninguém.“