MÁRIO MANUEL LESTON BANDEIRA A minha homenagem a um amigo pessoal
Meu Caro Mário: o que me lembro de ti, do teu bom humor, do teu saber, dos anos que passamos juntos no então ISCTE, hoje ISCTE-IUL. Sempre foste um bom conversador. O que ensinavas era uma matéria dura demais. A demografia passa pelos números, explica o ser humano de forma aritmética e o que se diz dele, nem por isso é divertido. Más, tu sabias bem como por o rir nas pessoas, porque juntavas a árida demografia com os amores que saltava de números a paixão. Com a paixão, o mundo, o mundo não envejecia, apesar de que os teus números revelavam que a nossa Nação ia-se converter num país de velhos porque ninguém queria entrar na obrigação de formar famílias com crianças que coram a noite, que sujam as fraldas, que devem ser ensinadas, ir para a escola, ensinar-lhes a ler e escrever antes da primária e gastar em livros e roupas.
Não eras forreta nem te importava que os novos pais gastassem o seu tempo e os seus raros recursos em criar. Bem ao contrário, a tua propaganda era o combate a falta de seres novos e de como os ensinar. A tua ciência não fez de ti um ser fechado nem grave por saber que Portugal ia a falência de crianças, passando a ser um país de velhos. Especialmente desde 2011, quando os mais novos tinham que procurar alternativas em outros países, por estar este fechado à reprodução, ao saber e a economia.
Com o teu eterno charuto nos lábios, milhares de vezes te convidara a visitar o interior do país, especialmente as partes altas, em que sem crianças não havia agricultura e sem vegetais, faltavam a comida e o prazer de viver, as entradas de dinheiro desapareciam se os mais novos não se aplicavam à semente de batatas e de milho para o consumo e o cuidado dos animais dos que vivíamos.
Foste sempre muito urbano e colado aos livros. A vida rural não era para ti. Nunca aceitas-te os meus persistentes convites. Antes, ensinavas como ensinar, como nesse trabalho em conjunto que realizamos no Conselho Pedagógica, após do abandonar Mário Pinto, Catedrático do Porto, Rogério Roque Amaro para preparar o seu doutoramento ou trabalhar em bairros de lata. Foste ficando só, mas ladeado de pessoas novas que fizeram do Conselho, um manancial de transferência de saberes.
Trabalhavas da manhã à noite entre aulas, teses orientadas a tua escrita rara mas profunda. A tua juventude tornou a ti quando te namoraste de una aluna bem mais nova que tu e fez de ti um homem feliz, uma estudante da quase a metade dos anos da tua filha de trinta que a tua demografia te ensinou a fazer.
Acabo de saber que já não estás entre nós, que como Vasco Graça Moura nos deixaste exatamente uma quinta-feira depois que o Vasco. Ele nas festas do 25 de Abril, tu, nas comemorações do dia do trabalhador.
Mais nada vou a acrescentar, saber pelo jornal que um coração amante nos tinha abandonado, foi uma triste notícia para mim no acordar do dia de hoje. O teu saber vive nos teus textos e na cabeça dos teus estudantes.
Não sou homem de fé, tu também não, mas a nossa amizade fez de nos não apenas colegas, bem como dois seres sorridentes, de almoçar juntos, de nos visitar em casa.
Fica em paz Mário, que a tua paz se abra à nossa e a o teu departamento de Sociologia, a quem entrego os meus sentimentos.
Não estar na Basílica, bem sabes que não posso transferir-me com facilidade nem morar ao pé das emoções. Mas, para mim, ficas nestas letras endereçadas a ti. Foram 40 anos a confraternizar, a falar da ciência do ensino e outras ideias da nossa intimidade. Os jornais falaram de ti e da tua vida académica.
Eu falo para o amigo.
Abraço, Mário e até ver.
Raul Iturra
Catedrático de Etnopsicologia da Infância
Eterno Presidente da Antropologia até que o cancro me atacou
Senador d U de Cambridge, Reino Unido
Professeur invitée du Collége de France, Paris
Avô de britânicos e Neerlandeses.
3 de Maio de 20014