LIBERDADE CONDICIONAL
Foi publicado há dias um estudo de opinião realizado pela Universidade Católica relativamente ao sentimento dos portugueses quanto ao regime de 1974.
Dele resulta que 83 por cento mostram “desagrado pelo estado da democracia”. Não parece que tal resultado radique em acontecimentos ou políticas recentes, uma vez que, sublinha o estudo, já em 2001 a mesma opinião era expressada por 76 por cento dos auscultados.
Observando pontos mais concretos do trabalho, os portugueses consideram o país mais pobre e mais inseguro do que no tempo do Estado Novo. E 49, contra 40 por cento com a opinião contrária, consideram que, hoje, as condições de trabalho são piores do que há 40 anos.
Particularmente significativo que as considerações pessimistas se adensem na mesma medida é que é maior a idade dos inquiridos. Precisamente aqueles que viveram nos dois regimes e, portanto, estão em condições de comparar um com outro tempo.
O estudo está aqui - http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=732245&tm=9&layout=121&visual=49 .
Jovem em 1974, mas já adulto, habituei-me a ouvir o epíteto de “fascista”, ou outros quejandos, a quem, no uso da liberdade então decantada, ousasse dizer algo que não fosse de franco elogio a tudo quanto tivesse saído da acção libertadora. Epíteto que os fautores do regime se esforçavam por fazer perdurar como estigma indelével.
Ora, ninguém tem dúvidas de que Portugal não era, em 2001, habitado por 76 por cento de fascistas e que, hoje, tal ideologia tenha conquistado as convicções de 83 por cento dos cidadãos nacionais.
Voltando ao estudo, um ponto há em que a maioria destaca o positivo do regime de Abril – a liberdade. Assim o consideram 80 por cento dos inquiridos.
Quem não vivesse em Portugal, mas ouvisse a nossa rádio, visse a nossa televisão ou lesse os nossos jornais, tenderia a refutar estes dados por completamente irrealistas. Ao longo de trinta e muitos anos, em fases diversas e com uma ou outra ténue variação de menor optimismo, a tónica geral, entre a euforia e a moderação, era a de que vivíamos num país livre, mas também moderno, progressivo, pacífico e abrangente.
Uma das conquistas de Abril, nunca falada, mas nem por isso menos importante, foi a da criação de uma nova classe profissional – a dos políticos. Até 1974, a política era, por norma, actividade fugaz, exercida transitoriamente por aqueles que a ela eram chamados.
Hoje, é a única classe profissional cuja carreira está isenta de sobressaltos. Não precisa de mercado porque é ela própria quem o cria. Não precisa de sindicatos porque paga a si própria, com dinheiro alheio, o que também ela própria determina e que, por regra, é muito. Não tem de temer o desemprego, já que, ciosamente e de forma generosa, tem vindo a ampliar os seus próprios postos de trabalho. Quase sempre inúteis e improdutivos.
Num alarde se superabundante cautela, preveniu também com chorudas pensões precoces a existência confortável para muitos anos após o termo da carreira, normalmente voluntário e muitas vezes temporão.
São, instalados entre o conforto e o fausto, os donos da nossa liberdade.
Não admira, pois, que, ao longo destes longos anos tenham transmitido a mensagem da estabilidade, da prosperidade, da garantia dos direitos sociais. De nós, só precisam do voto para garantia da sua estabilidade. E, por via das dúvidas, bloquearam há muito o acesso de outros à sua actividade, eliminando cerce qualquer oportunidade à concorrência.
O primeiro acto deste sistema de bloqueio foi o “Pacto MFA-Partidos”, que limitou o acesso a eleições àqueles que aceitaram as condições impostas pelos militares da famosa Comissão Coordenadora. O resto tem sido feito com o domínio da Comunicação Social e com os constrangimentos económicos que também criaram ao reservar as subvenções estatais aos que já tivessem assento parlamentar.
O seu castelo é inexpugnável e a ponte levadiça sobe e desce ao seu comando para exclusiva serventia dos seus escolhidos. Quem quiser que fale e diga o que quiser, mas que o faça do lado de fora do ribeiro circundante. Ou banhe-se, mesmo, no mais completo sossego, tal é a magnanimidade.
Curiosamente, desde há três anos, esta nova classe profissional tem vindo a aderir às conclusões do estudo de que falei. A prosperidade desapareceu, o país está mais pobre, as condições de trabalho tendem a regredir ao tempo de Salazar. E, pasme-se, aí divergindo do que pensam os seus concidadãos, até a liberdade está ameaçada.
Portanto, dizem, impõe-se apear, nem que pela força seja, quem, no poder, ameaça a sua saudável situação profissional. Nem que, como é o caso, tenham sido eleitos de acordo com as regras que ela própria, classe política, criou e impôs. O sistema é bom, porque é o seu, mas o povo não soube escolher.
Faz agora quarenta anos que prometeram entregar-nos o nosso próprio destino. Dar-nos a liberdade de escolher quem queiramos para nos representar nos órgãos do poder.
Mas, agora é claro, desde que escolhamos quem eles acham que é bem escolhido. Ou, para ser mais preciso, desde que escolhamos quem eles achem que deve ser escolhido. Portanto, desde que os escolhamos, a eles.
Não estarei hoje pela Avenida da Liberdade. Também não estive lá, no domingo passado, a festejar a vitória do Benfica.
Talvez alguém que lá tenha ido nas duas ocasiões possa dizer-me qual delas foi mais concorrida.