Abram as escolas
Já esgotaram os bilhetes para o "primeiro espectáculo do resto das nossas vidas" no Campo Pequeno esta segunda-feira. Ouvi o anúncio na rádio com loas à necessidade de salvar a cultura e os agentes culturais. É de saudar a reabertura das salas de espectáculo, e a possibilidade de cada um, na sua liberdade de querer tomar riscos individuais, poder ir ver um concerto se assim o entender.
O extraordinário nisto é que irão abrir as salas de espectáculo antes das escolas. É preciso salvar a cultura, mas as crianças podem continuar em casa sem o acompanhamento devido, especialmente as mais pobres e excluídas. Dizem que é para as proteger, apesar de ainda não ter morrido nenhuma criança em Portugal de COVID-19. Dizem que é para as proteger, mas em vez de conviverem num ambiente controlado de uma escola, muitas conviverão na rua ou nas praias em ambientes descontrolados (ver o que está a acontecer no bairro da Jamaica). Dizem que é para as proteger, mas muitas nunca mais recuperarão do atraso destes meses sem acompanhamento. Dizem que é para as proteger, mas o que parece mesmo é que é para agradar aos sindicatos dos professores. Não será por acaso que os infantários, onde predomina a iniciativa privada e social (e onde muitos tiveram que cortar mensalidades durante o confinamento), irão abrir ao mesmo tempo que as salas de espectáculo.
Ninguém parece muito preocupado com isto. Daqui a uns anos quando as consequências se fizerem sentir, a discussão política será entre o tamanho do subsídio e o peso do cacetete que cairá no lombo dos que acabarem na malha da criminalidade. Já ninguém quererá saber que eles também são fruto de uma sociedade elitista e corporativistas que cede às exigências (legítimas) dos agentes culturais e dos sindicatos (menos legítimas), mas ignora as necessidades daqueles que não têm voz.