....para a minha neta mais nova, May Malen, que, nestes minutos, voa de volta para sua casa… acompanho-a com a escrita
Tenho a sensação que nós, adultos maiores, desejamos uma descendência, como tenho escrito noutros ensaios do nosso blogue, divertida, carinhosa, sem temor, que saiba rir e nos traga felicidade.
Certo está quem escreve, existir uma geração nova, entre os netos e nós, os avós. Essa geração é a que sabe como tratar os seus pequenos, não grita, acompanha-os nas viagens por sítios perigosos, se não estivermos, as duas gerações, de forma silenciosa, a medir essas aventuras. De forma escondida, a observar, não por felonia ou protecção, mas para quem experimenta se se pode sentir seguro das suas aventuras. Aventuras que têm algum perigo para quem, ainda, nem tem uma racionalidade alternativa e não pode optar, perigo por ainda não ter aprendido como andar pelos terraços sem resguardo material ou emotivo das duas gerações, a do meio, os pais, e a mais velha, os pais dos pais, ou avós. Um pequeno desvario: em língua portuguesa, o plural de dois sexos diferentes, é masculino, donde devia ser avô, mas nesta relação a definição converte-se em feminina. Não como no plural de pai e mãe, sempre masculino, a isso não é certamente alheio o facto de, até há pouco tempo, quem trabalhava para o sustento ser o pai, enquanto a mãe criava. Factos que têm mudado e para os explicar, é preciso saber semiologia ou gramática, que é como quem diz, a história das palavras. Penso que a história é assim:
Se nos referirmos a um elemento do sexo masculino e a um do sexo feminino, o plural será avós, ou figura de retórica que consiste no emprego de uma palavra por outra com a qual se liga por uma relação lógica ou de proximidade. Os estudos metonímicos, dão uma grande volta para explicar a origem da forma feminina de um casal de pais: Quando se trata exclusivamente de pessoas do sexo masculino (o pai do pai ou o pai da mãe), o plural é avôs.
Assim, para designar o plural dos indivíduos de ambos os sexos, manteve-se a forma avós. Para o plural feminino, manteve-se, como seria lógico, a forma avós. Houve, portanto, uma convergência do masculino e do feminino na palavra avós. Para que o plural constituído apenas por indivíduos do sexo masculino se distinguisse, foi criada a forma avôs, que vai ajudando a reduzir a ambiguidade existente em avós.
Uma cumprida explicação racionalista ou cartesiana para explicar um sentimento.
Parece-me que emoções e sentimentos, têm formas de definição, mas após o estudo do consciente e o inconsciente da pessoa. Ou de entender que nas formas culturais e costumeira os sentimentos têm apenas uma explicação por imitação, como diriam Freud, Klein e Miller.
O interessante é procurar uma grande volta para fugir da tristeza da neta que não está comigo. Qualquer forma de fugir da ausência de uma imagem sempre presente nos meus anseios de carinho, é uma sintaxe que permite desenhar essas formas adoradas, amadas, queridas, que tratamos com doçura, porque a doçura vem de volta na corrida aos braços do pai e da mãe, e essa domesticação da ferazinha domada, como aconteceu com May Malen e este Avô que é mesmo Avô e não Avó, por não existir uma mulher ao pé desse velho senhor.
May Malen corria, fugia de mim, até ao dia em que não olhei mais para ela, nem lhe falei nem ri. A sua curiosidade passou a ser uma intriga: se este senhor não me largava, porque é que agora nem fala comigo?
Foi a maneira de a seduzir e pô-la atrás de mim, à minha procura e a colaborar comigo nos meus trabalhos, a ser a menina do avô. Descobri a forma de me amar: nunca lhe tocar. É muito britânica para trocar carícias de corpo, excepto se for por brincadeira como os seus pais fazem.
Finalmente, aprendi a ter netos, netas e a ser avô. Carinho material e brincadeira.
A geração do medo sabe como se comportar. A geração mais velha, com a morte à porta, quer beijos e carinhos. Especialmente se é latina…
Ganhei uma neta! E a seguir, um neto! Um ano mais novo, Javier Salvador Raul
Raúl Iturra
Parede, 26 de Abril de 2011, enquanto o avião aterra em Heatrhrow, Londres, no mesmo sítio e altura em que conheci a sua mãe, a minha adorada filha, nascida longe de mim, a vagabundear pelo mundo, como um pobre exilado….
May Malen, tu és, tu existes, lembraste de mim, excepto se faço carícias…
Nota: tenho estado a escrever um livro, O saber das crianças e a psicanálise da sua sexualidade, escrito em 2009, publicado por Estrolabio, pelo meu amigo Carlos Loures mas o refiz e levou-me um ano para entregar a minha Editora. Eis porque nada tenho publicado em Banda Larga. Mas, cá voltamos
Capítulo final do meu livro titulado como o exerto que apresento neste texto, publicado de forma completa, 160 pp, pelo Editor Carlos Loures no seu A viagem dos Argonautas. Tenho licença do antigo amigo para publicar este excerto.
É-me impossível fechar o texto sem tornar a esse começo afetivo de Boris Cyrulnik. Não duvido que a teoria de Freud, Klein, Bion, e Miller, sejam teorias de importância capital, especialmente as de Alice Miller, para quem procura penetrar o saber da mente cultural da criança. Bem como me é impossível, após estudar tanta criança, analisar as suas aventuras e desventuras, deixar de referir que, se Freud fosse vivo, deveria rever e modificar a sua definição do Complexo de Édipo e a ideia da figura paterna ser um castrador ao mandar e impor ordem dentro da casa ou lar. Hoje em dia, são os pais – eles e elas –, esta péssima língua portuguesa machista tem palavras iguais para ações diferentes, que sofrem o denominado complexo de Édipo com a saída dos seus descendentes de casa, muito novos. Não casam, vivem juntos em amancebamento ou concubinato, ou seja, não assinam contratos nem se juntam publicamente em cerimónia ritual, e se estão satisfeitos um com o outro, casam depois e trabalham em conjunto desde o primeiro dia em que começam a viver em concubinato, este é o seu experimento pré nupcial que, hoje em dia, a maior parte das pessoas faz, especialmente no Alentejo (Portugal), na Andaluzia (Espanha) ou nos meios burgueses, situação que se verifica pela inexistência contratual ou pela existência, como está definido no Código Civil Português, de impedimentos dirimentes. Antigamente, na minha infância, o Natal era como nas aldeias portuguesas, galegas, polacas, húngaras e em várias da América Latina que o comemoram. Nem todos o fazem, porque na América Latina têm sobrevivido cultos ancestrais que os invasores portugueses, britânicos, franceses e espanhóis não conseguiram tirar. O melhor modelo para entender a vida e o saber das crianças, é o escritor Quíchua- obrigatoriamente peruano por lei – , Ciro Alegría e o seu encantador livro El Mundo Es Ancho y Ajeno . O Gabriel Garcia Márquez e os seus Cien Años de Soledad, ou ainda, de entre a sua vasta obra, Isabel Allende, especialmente com o seu livro Mi País Inventado.
É evidente que um saber para curar de maus-tratos infantis, definidos por Cyrulnik, acaba por nos dizer: senhores, sim, a mente humana é um labirinto de paixões, como diz Garcia Márquez no seu melhor livro: El General en su Laberinto ou na obra El Amor en los tiempos del cólera. Se assim não for, deveríamos lembrar Gabo ou Isabel Allende em La Casa de los Espíritus. Também explica essa mente, o livro mais esquecido de todos, que herdei do meu pai, esse maravilhoso romance Gran Señor y Rajadiablos. Texto que nos facilita entrar numa mente cultural muito desconhecida. Mente cultural, que luta por saber, liberdade e desamamenta os pais mais cedo ensinando-lhes a serem adultos.
O saber das crianças, nas suas três vias, acarinha a sua sexualidade e emotividade como Simón Bolívar no seu Laberinto, como a procura do indigenismo primevo de Ciro Alegría, como a nostalgia do que foi e já não é, no País Inventado. O saber das crianças precisa de psicanálise para entender esse precoce desejo, mas dos seus adultos, porque este texto é para os adultos entenderem as crianças e saberem que a liberdade delas conta desde o primeiro dia, como referi na minha obra Yo, María de Botalcura. Texto que advoga pelo saber livre dos mais novos, sem serem impedidos ou travados pelos seus adultos. A psicanálise do saber e da sexualidade das crianças, é para os adultos saberem por onde andam como adultos maiores com descendência liberta pelo neoliberalismo, que Blair e Giddens não souberam encontrar como terceira via para a liberdade desses adultos. Talvez Obama hoje…
NOTAS:
Estado de quem vive amancebado ou em concubinato, de acordo com o Código Civil Português no artigo 1871, página1545 do Código reformado em 2001 e 2006 que define a presunção de pai, se não houver matrimónio, e o direito da mãe a pedir pensão de alimentos do pai das suas crianças ou concubino, e 2020, que define o amancebamento ou concubinato, como união de facto, página 1602. Diz-se da situação em que duas pessoas vivem maritalmente sem serem casadas. ARTIGO 2020º (União de facto) 1. Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, viva com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º. 2. O direito a que se refere o número precedente caduca se não for exercido nos dois anos subsequentes à data da morte do autor da sucessão. 3. É aplicável ao caso previsto neste artigo, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior. Texto completo em: http://www.portolegal.com/CodigoCivil.html. Artigo 1600: Têm capacidade para contrair casamento, todos aqueles em quem se não verifique algum dos impedimentos matrimoniais previstos na lei… Em suporte de papel, página 1358. Livro IV, Direito de família, Título II: Do Casamento: Artigo 1601 ARTIGO 1601º (Impedimentos dirimentes absolutos) São impedimentos dirimentes absolutos, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam com qualquer outra: a) A idade inferior a dezasseis anos; b) A demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica; c) O casamento anterior não dissolvido, católico ou civil, ainda que o respetivo assento não tenha sido lavrado no registo do estado civil (pg. 1358, em suporte de papel). Artigo 1602: Impedimentos dirimentes relativos: (Impedimentos dirimentes relativos) São também dirimentes, obstando ao casamento entre si das pessoas a quem respeitam, os impedimentos seguintes: a) O parentesco em linha reta; b) O parentesco em segundo grau da linha colateral; c) A afinidade em linha reta; d) A condenação anterior de um dos nubentes, como autor ou cúmplice, por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro (formato de papel, pp 1354 e seguintes). Alegría, Ciro, 1963, El mundo es ancho y ajeno, Aliança Editorial, Madrid, é uma novela do escritor peruano Ciro Alegría, considerada como uma das obras mais destacadas da novela indigenista e a principal do autor.1 Mário Vargas Llosa afirma que El mundo es ancho y ajeno constituye el punto de partida de la literatura narrativa moderna peruana y su autor nuestro primer novelista clásico. 2 Esta novela conta com inúmeras edições em español e é a novela de Ciro Alegría mais traduzida. Garcia Márquez, Gabriel, 1967: Cien Años de Soledad, Editorial Sudamericana, Buenos Aires. Allende, Isabel, 2003: Mi País Inventado, Editora Sudamericana, Buenos Aires, México y Madrid. García Márquez, Gabriel, 1989: El General en su Laberinto, Mondadori, Madrid. García Márquez, Gabriel, 1985: El Amor en los tiempos del cólera, Bruguera, Barcelona. Allende, Isabel, 1982: La Casa de los Espíritus, Plaza e Janes, Barcelona. Barrios, Eduardo, 1967: Gran Señor y Rajadiablos, Editorial Nacimiento, Santiago de Chile. Iturra, Raúl-2008-Iturra, Blanca, 2009: Yo, María de Botalcura. Ensayo de Etnopsicologia de la Infancia, Universidad Autónoma de Chile, antiguo Instituto del Valle Central, Talca, Chile.
Raúl Iturra, 10 de Janeiro de 2014, dia da modificação e reescrita do texto e do por dentro do acordo ortográfico.
Nota pôs- scriptum: Este livro foi comprado pela Editora Psico-Soma de Viseu, com a condição de eu comprar 200 exemplares. Condição impossível para mim, pelo que foi retirado da Editora de Viseu. Faltou confiança nos editores e após alagar-me de ser uma figura incontornável no saber do ensino, passam a desconfiar de mim. Retirei o livro. Carlos Loures, com santa paciência, o publicou completo.
(texto em quatro andamentos, escrito velozmente ao som de Tchaikovsky)
(escrito em luso-galaico durante o meu segundo trabalho de campo na Paroquia Galega de Vilatuxe, reestudo feito 25 anos depois do primeiro. Ontem falava de educação, hoje de crianças crescidas)
1º ANDAMENTO
É o crescimento das crianças, que tenho observado ao longo do tempo. Também das minhas, mas não só. As minhas são as mais importantes. Feitas por mim, em conjunto com a pessoa da minha paixão. Mas, há mais crianças que os que se dedicam à ciência observam e com as quais aprendem. E que acabamos por não incluir nos nossos estudos. Porque para um observador das ideias com as quais as pessoas transformam a materialidade da vida para a sua continuidade histórica, voir, a sua reprodução, a criança acaba por ser um dado inexistente. A Ciência tende a ver a criança como a pequenada que está aí sem mexer nem dizer nada. Só cala e observa e serve para ser mandada ou para aliviar a trabalheira do que o adulto faz.
Atitude diferente tivera através dos tempos, John Locke (1693), Jean Jacques Rousseau (1762), Bronislaw Malinowski (1922), os etnólogos portugueses como Teófilo Braga (11914-1915), Adolfo Coelho (1882-1916), Maria Rosa Colaço (sine data), Maria Emília Traça (1992), e toda a equipa que tem comigo trabalhado durante as duas últimas décadas em Portugal, Espanha, França, Holanda, Africa, América Latina.
Philippe Ariés (1960-1972) soube caracterizar muito bem essa atitude diferente, ao longo do tempo, no crescimento das crianças. É com esse respeito de aprender com as crianças que a minha querida equipa tem trabalhado em vários Países e Continentes. Equipa de que fazem parte Luiza Cortesão, Stephen Stoer, Helena Costa, Telmo Caria, Ricardo Vieira, Filipe Reis, Amélia Frazão, Darlinda Moreira, Ângela Nunes, Paulo Raposo, Luís Souta, Henrique Gomes de Araújo, Rosa Melo, Eduardo Costa, Alexandre Silva, Elvira Lobo, José María Cardesín, José Maria Valcuende, Marie-Elisabeth Handman, Paula Iturra, Blanca Iturra, entre outros.
Outros, porque não é minha intenção aborrecer o leitor com uma longa lista de estudiosos do comportamento infantil. Quero só dizer que todos nós, como equipa, temos tido a preocupação de andar de papel e lápis na mão, a brincar, a recolher histórias da memória social do grupo no qual a criança vive.
O problema é que a Ciência da Educação se fecha na instituição escolar e a Psicologia no problema da relação da criança com o adulto e deste com a criança ou na questão da violência intrafamiliar. Tchaikovsky (1877) e Schumann (1838) souberam ver o poema da pequenada nas suas músicas, as quais me acompanham nesta escrita veloz para que o texto chegue a tempo à editora do jornal. Acabo de regressar da América do Sul. Aí, em Pencahue, Chile, no dia do aniversário do Libertador Bernardo O’Higgins, em 20 de Agosto de 1779, parei o trabalho de pesquisa que estava a realizar com um grupo de crianças para redigir o texto publicado no número anterior de este jornal A Página da Educação. O debate entre autores, sobre esse trabalho que lá realizei com as crianças, fica para Novembro. Hoje, quero referir-me às crianças que conheci e estudei, faz agora 25 anos, na minha aldeia galega ó antiga camponesa ó de Vilatuxe. Aldeia onde morei e trabalhei há 25 anos e onde voltei a morar e a trabalhar há oito meses.
2º ANDAMENTO
Estamos habituados a ver as crianças. Aí estão. Choram. Têm fome, são queridos enquanto exploram o mundo que mal conhecem. E com esforço e atenção concentrada, ouvem, vem e calam. Nessa Vilatuxe galega do começo dos anos setenta, Berta e Pedro Tomé brincavam com os porcos e andavam a cavalo nos mesmos. Os adultos riam e deixavam. Até porque no seu imaginário tinham baptizado os animais com os nomes dos antigos príncipes, hoje Reis depois da morte do Ditador. E era assim que esses pequenos, como a vizinha Beatriz Ramos, exprimiam o que em casa era sentido mas não falado, o descontentamento das pessoas com o sistema político. Esse sistema político que não permitia que as pessoas exprimissem o que pensavam e desejavam dizer. Esses pequenos sentiam o sentir do grandão e punham palavras ai onde as meias frases segredavam o que os adultos pensavam do poder político. Neruda (um grandão que escrevia com a dor do adulto, para os pequenos) tinha dito nos anos vintedo SéculoXX– por qué no enseñan asacar miel del sol a Los helicópteros? Como esse outro Prémio Nobel Chileno, Gabriela Mistral, que pelos mesmos anos 20 tinha dito:Piececitos de niños, azulosos de frio, como os ven y no os cubren, Dios mío...Diferente do saltitar de Berta, Pedro, Beatriz e Paula, por cima das lombadas dos porcos exprimindo a proibida crítica política ao ditador, morto santamente anos depois. E com o consentimento dos adultos, que não mandavam calar, era uma verdadeira forma de protesto contra a construção do mundo adulto que a criança percebia mas não sabia explicar. Só sabia sentir o que o adulto sentia e não podia dizer. Nenhum deles, nem o pai de Paula, observador silencioso dos factos com que analisava os comportamentos. Mas, foi aí que esses quatro ó e muitos outros que refiro num livro maior, para este periódico, ó aprenderam a dizer, depois de sentir e pensar e elaborar, por pura afectividade, o que os seus adultos calavam. O protesto democrático pela liberdade que Rousseau tanto procurou para o pequeno e para o adulto, de exílio em exílio, só podia ser dito pelo pequeno. Era a criança, como é agora, que condicionava a conduta do adulto. Porque no segredo da casa, tudo se falava, mas tudo dito para não ser repetido lá fora. Excepto, nas brincadeiras que a pequenada imaginava a partir do que ouvia e sentia dos grandes que amava. E que esses grandes sabiam dizer de forma tangencial, para não serem tão abertos que viessem a aparecer palavras comprometedoras para a segurança do grupo doméstico que amavam. A brincadeira, saiba a pequenada ou não, é política e como política, liberta a opressão dos adultos responsáveis pelas crianças. Foi assim em Portugal, como foi em 1848 na Comuna de Paris que abalou o mundo e fez entrar a Prússia em França. Como no Chile de hoje, onde as crianças utilizam a fala oficial frente aos seus mestres e nas suas brincadeiras utilizam os palavrões que revelam os silêncios das pessoas grandes.
3º ANDAMENTO
Porque a conduta do pequeno condiciona a conduta do adulto. É um facto observado por mim e pelos meus companheiros de pesquisa em vários continentes e Países. Nem digo os pequenos mortos em Ruanda, que Paula Iturra em Amesterdão trata analiticamente para os pais fazerem o luto. A conduta dos pequenos condiciona mais a dos adultos que o contrário. É bem verdade que as palavras vêm do adulto, bem como as ideias. Como é também verdade que a realidade a ser aprendida pela criançada, é a verdade exprimida pelo sentimento do maior. Um maior que nem repara que o gesto da cara, o protesto da palavra, a poupança nos ingressos raros, o comentário com a vizinhança em presença do puto e em voz calada, mostram aos mais novos, os cativos, a contradição entre a lição dita oralmente e com punição, caso for repetida, e o riso forte das Auroras e Pepes Tomé Fernández, dos Pepes Ramos, e o riso profundo e forte e honesto dos mesmos perante a ironia dos inventos dos príncipes porcos, hoje monarcas respeitados mas distantes.
O adulto vê condicionada a sua conduta, conscientemente ou não, pelo temor de ouvir as suas palavras serem repetidas pelos cativos (a pequenada em caão luso europeu). Sem reparar que a pequenada é fiel quando há, como nos casos supracitados, amor, cuidado, histórias que se contam, agasalho, comida quente, passeios quando possível.
O adulto quer manter a sua vida como se não houvesse entendimentos diferenciados, horários diferenciados entre as duas gerações, ou às vezes três. Quando o adulto não repara que os horários e hábitos de interacção social limitam a liberdade assim denominada, que o adulto tem. Porque esse adulto já não pode, por um tempo, fazer só o que quer realizar: tem de tomar conta de fraldas, de perguntas, de não substituir iniciativas, de sugerir ideais alternativas quando os pequenos podem ofender os mais velhos com as suas brincadeiras. Ou, pôr em aperto os outros, com as suas opiniões espontâneas, nascidas da diferença do que vê no seu lar e do que observa no lar dos outros. Aí nasce a crítica feita dentro de casa, quando o adulto manda calar o mais novo, sem reparar que o mais novo está a construir uma lógica que virá a reger a sua vida mais tarde.
Eu diria que o adulto não cresce. Porque para crescer, deve separar em debate com o novo, o que sente e pensa, do que o mais novo observa. A antiga criança Beatriz disse-me há uns meses, 25 anos depois da sua infância: a tua sogra, Raul, bebia e fumava até não poder mais. O que acontecia é que ela era uma dama que não trabalhava e que, de visita à sua família na aldeia extraña para ela durante as suas férias, tomava o seu aperitivo e fumava o seu cigarro depois do jantar. Ora isto, contemplado pelo hábito da mulher que só trabalhava e tinha hábitos diferentes do homem, era uma perversão para uma pequena e para o seu lar. Lar que nunca usou o método comparativo para explicar que o mundo não é etnocêntrico, que é relativo.
4º ANDAMENTO
Relativismo que, crescida, os cativos passam a coñecer e não só não fazem crítica, como aprendem e praticam de forma parcimoniosa. Vinte e cinco anos depois, quando o matrimónio acontece, e ao par se junta, a profissão, o cálculo, a liberdade para utilizar o imaginário no cálculo e já não a brincar aos príncipes com os porcos. Crianças monárquicas por hábito, para assegurar a democracia hoje vivida em tanto País por onde tenho andado. Criança que nem o adulto anterior, acaba por entender. Porque os Pedros desenhadores arquitectos, sem voltarem à aldeia, as Bertas maestras, as Beatrizes proprietárias e comerciantes, as Paulas psicanalistas, tratam os seus adultos com a distância que lhes dá o saber da Ciência que praticam. Uma Ciência que acham diferente da dos seus adultos e os levam a tratar os mesmos como se fossem seus clientes.
Tudo isto agravado pelo novo ideal da autonomia e do individualismo, nunca antes vividos pelo adulto maduro. A geração anterior está muito perto em idade, por assim dizer, mas entende de forma muito diferente o real que novos jovens lhes apresentam.
A criança cresce agora numa família restrita, de pares sucessivos, procurando a emotividade da família alargada que boa falta lhe faz. Mas, com o objectivo de serem autónomos, individualistas, de pares de vida celibatária, heterogénea, com acordares novos para a afectividade. As crianças crescem e fazem ficar o adulto anterior, pequeno. Porque o adulto anterior guarda a afectividade e comemora o sucesso de mudança de vida, em silêncio, sem entender muito o conteúdo das conversas. Num curto espaço de tempo, as duas culturas, a adulta e da infância que tenho observado durante décadas, têm ganho distância no entender, no saber, na prática.
Ali, onde há 25 anos encontrei um conjunto de seres com um modo de vida rural a tratar do campo, encontro agora um passado que desaparece para dar passo a raros empresários rurais, e uma multidão de profissionais que fazem da vida anterior, quotidiana, um eventual fim-de-semana. Com unha correcção dos mais adultos. As crianças crescem com a ética desses adultos, transformada pela entrada nos Países das ideias semeadas no Séc. XVIII e tendo hoje o lucro como principal objectivo. Objectivo que, há 25 anos, nem era percebido pelos mais novos, nem estava nos cálculos dos mais velhos.
Porem, a criança precisa de ser estudada no seu contexto conjuntural, transitório, mutável. É reiterado como o tempo, todos os quarenta anos...Como vão voltar a explanar depois. Orgulhosamente à La Rousseau, como defendem Stoer e Magalhães (1998). Como todos nós.
Raul Iturra Vilatuxe, Galiza, España, 25 de Setembro de 1998
BIBLIOGRAFIA
Ariès, Philippe, (1964) 1988, A criança e a vida familiar no Antigo Regime, Lisboa, Relógio D`Agua. Braga, Teófilo, (1914-1915) 1995, Contos Tradicionais do Povo Português, Lisboa, Publicações Dom Quixote. Vols. I e II Coelho, Adolfo (1910) 1993, Cultura Popular e Educação, Vol. II, Lisboa, Publicações Dom Quixote. Colaço. Maria Rosa, s/d, A criança e a vida. Colectânea de textos infantis. Lisboa, Publicações Europa – América. Iturra, Raul, 1998, Como era quando não era o que sou. O crescimento das crianças. Porto, Profedições, no prelo. Malinowski, Bronislaw, 1922, The Argonauts of Western Pacific, Londres, Routledge and Kegan Paul. Rousseau, Jean Jacques, (1762) varias ediçõesactuais :Émile. Schumann, Robert, 1832, Kinderzennen. Tchaikovsky, Piotr Ilyich, 1848, Album for the young. Teitelboim, Volódia, 1984 a), Gabriela Mistral. Pública y Secreta. Madrid, Alianza Editorial.1984 c) Neruda: Madrid, Alianza Editorial
Raúl Iturra; Jornal a Página da Educação", ano 7, nº 73, Outubro 1998, p. 22.
Reescrito, adaptado para o luso galaico, no dia 28 de Dezembro de 2013.
O nosso hábito é falar de criança. É pensar que falamos duma infância que se espalha entre o nascimento e a puberdade. No melhor dos casos. Na forma modelar dos casos baseada nos Códigos Canónico e Civil. Criança, esse ser inocente e exemplo de responsabilidade penal ou civil até aos sete anos ou até aos catorze anos. Conforme a matéria de que trate o seu afazer. Criança inocente por não entender o mundo enquanto forma a sua epistemologia. Criança que não tem memória social, não conhece o mundo, não tem contacto com a interacção social, nem conhece as hierarquias nem percebe a responsabilidade. Excepto, a sua própria que lhe é incutida pelos adultos, esses que detêm o chamado uso da razão. A criança pequena, objecto dos meus estudos entre os Portugueses, Galegos e o clã Picunche da Nação Mapuche do Chile, que brinca e corre, inventa jogos, cresce e cruza pelos ciclos de vida até ser um adulto com todos os desejos e a responsabilidade aprendida enquanto desenvolve o seu julgamento aprendido no brincar e na escola, na interacção com a meninada da rua, da casa ou do pátio. É o seu contexto social que lhe ensina a memória social, essencial para o convívio entre os seus e o mundo que lhe cabe viver ao longo do tempo.
2 A criança velha.
Falarei de uma meninada que não mexe, que não tem imaginário, que é triste? Como se tivesse mais anos dos que os da cronologia do tempo? Bem queria eu falar dessa, porque da criança velha que falo é a do círculo dos ciclos de vida, referidos por especialistas em geriatria com os quais tenho debatido para entender essa viragem da vida. A vida começa em bebé primário e acaba em bebé secundário, dizem-me esses especialistas e diz-me a observação participante feita em terreno europeu ou latino-americano. O ciclo bebé primário é curto e acaba quando o pequeno entra na memória social. O ciclo do bebé secundário, curto também: começa com a perda da memória social, da identidade de si, da identidade dos outros, do sítio onde mora. Não sabe onde está. Não entende as palavras. Confunde as situações. Pensa que o ser que vê é o pai ou a mãe. É um regredir à infância. É um brincar com os símbolos que um dia para ele foram sagrados. É brincar com o terço como colar. É procurar os bonecos dos seus descendentes e cantar-lhes uma canção de embalar. Uma canção sem palavras, um sussurro gentil e sem melodia. Uma alegria permanente que oculta os sentimentos anteriormente vividos, transferidos ao brinquedo que agora lhe fala. O bebé secundário quer o pequeno-almoço à noite e em biberão, o jantar no meio do dia feito papa, foge para os cantos mais obscuros da casa. Gatinha por baixo das camas e come tudo quanto fica perto do seu voraz apetite, da sua eterna fome. Inventa nomes, baptiza os novos amigos, descobre ao seu redor imagens que mais ninguém vê e fala com elas. Às tantas, essa criança velha fica cansada e adormece no chão, ou no canto da cama onde o bebé secundário foi deitado com amor e carinho, para acordar com a cabeça para baixo e os pés por cima da pessoa adulta que o acompanha. Ou, como relata um adulto que tem um bebé secundário, acorda a brincar sentado no peito do mesmo. E chama, chama, chama. Grita sons não perceptíveis para o glossário comum da memória social. Bebés secundários que usam fraldas e as tiram e assim satisfazer os seus desejos eróticos. Parte da memória genética que o bebé primário traz desde o dia em que nasce; parte da memória interactiva que o bebé secundário deixou ao abandonar, por causa da idade, a memória social. Esfregar genital que os adultos, no dito uso da razão, rejeitam por acreditarem numa ética pouco apropriada para tratar de crianças primárias ou secundárias. Adultos que pensam que o erotismo é pecado e se deve guardar só para a idade da interacção, sem se lembrarem quer da sua infância, quer da sua puberdade, quer ainda, da sua própria maturidade erótica, essa que adora jogar com o prazer que faz a reprodução. Prazer que faz crianças e, assim, faz história. Prazer que nasce connosco e morre quando o corpo é carcaça sem espírito.
A criança velha tem espírito. A criança velha tem ideias do tamanho da sua idade infantil. Ideias que fazem rir os que estão com ela. Esse acordar sufocado pelo peso dessa criança no peito, esse virar dos símbolos rituais do grupo social em brinquedos é um desfazer da tradição que o grupo social consciente, respeita e obedece. Brincadeira engraçada a de convidar todas as pessoas que passam perto da criança velha para beber chá ou jantar e depois dizer: caramba, há tanta gente em casa! O que se vai servir a todos, pessoas visitantes dos outros bebés secundários que compartilham o dia-a-dia da minha criança velha. Criança velha que é docemente acarinhada enquanto está quieta na cama, ou espancada se faz mal ao adulto que perde a paciência pela persistência da brincadeira do, tecnicamente denominado, adulto maior.
Denominação pouco adequada. Denominação que faz acreditar, aos adultos persistentemente referidos neste texto com uso da razão, sentir e pensar que a todo o minuto e a todo o momento esse bebé secundário quer música e alegria, cantos, bater de palmas, não mostrar sentimentos genuínos, inventar a vida. A esquecer esse grandalhão os hábitos anteriores do ciclo de vida da hoje criança bebé que gostava do silêncio, da calma, da paz, do respeito. Conceitos que não orientam à lembrança, mas que ficam nos nossos sentimentos. Porém, brincar só e quando o bebé secundário entra no delírio da sua própria alegria, para assim respeitar o afazer desse agora velho bebé, tal e qual se respeita o bebé, que o grupo social está habituado, o bebé primário.
A criança velha foi um dia um adulto como todos nós, capaz de ler estas notas de campo e de as entender, adulto feito hoje uma criança que faz não entender o seu comportamento. Comportamento que quer calma e cuidado, canções de embalar que repete nas suas próprias ininteligíveis palavras. Amorosas palavras. Adoradas palavras. Queridos sons que a criança velha é ainda capaz de dizer e mostrar que está a viver uma outra vida. Que nos diz que quer respeito para o seu próprio eu. Mesmo que nem saiba o que diz. Ou, mesmo ainda, que os seus adultos não saibam como entender e fiquem cheios de desespero. E batam mais uma vez. Ou, já resignados a ter novamente um bebé maior, saibam deitar-se ao pé dele e acariciá-lo com ternura até adormecerem de cansaço, o adulto que entende a memória social e a criança velha que o seu código genético mandou abandonar. Para tristeza de quem vê e entende. Para desespero de quem tem que estar sempre ao cuidado desse ser que regride no seu ciclo de vida, esgotadas já todas as etapas. Até, um dia, morrer. Ensejo de todos os que estão perto do denominado adulto maior, que eu quis baptizar como bebé secundário ou criança velha, à espera dum melhor entendimento antropológico da sua epistemologia. Como entre nós tinha começado a estudar a nossa querida Antropóloga Susana de Matos Viegas. Como a experiência de Vilas Boas deveria chamar-nos a pesquisar.
3 Amor, paciência, troca.
Quis pôr como título o que o leitor pode apreciar: para um estatuto. Porque todo o ser humano está a precisar, neste século - e lá vão tempos que já precisava - um entendimento do acontecer do fim da vida de todo o ser, que não é a morte imediata, bem como a regressão. O ciclo fecha na regressão à idade da infância. Parece começar em bebé e acabar em bebé e, a seguir, o falecimento.
Mas um bebé adulto acaba por ser surpreendente para todos nós. Nem estamos à espera de um comportamento de bebé na vida de um adulto, habilitado academicamente para o trabalho escolhido. À espera, sempre aprendemos a estar, de que a vida acaba com uma doença súbita, uma doença conhecida e prolongada, ou ainda, numa idade precoce da vida. Hoje em dia, as pessoas vivem muitos mais anos, mas ainda não temos os elementos para sermos capazes de manter todos esses anos com uma consciência adequada à cronologia.
Escrevi estas linhas desde o meu trabalho de campo entre os membros do clã Picunche do Chile. Clã que tem um cerimonial especial para incorporar os mais velhos entre os sábios ou em sítios destinados às almas santas que dizem ter visto seres que no decorrer cumprido do tempo tinham desaparecido, e com eles falavam e deles reproduziam palavras que faz tremer os vizinhos. Mas, classificados entre essas almas divinas, ou almas designadas pelos antropólogos como bruxas, o seu dizer é ouvido e respeitado sem ter que ser obedecido. Tal como outros analistas de grupos sociais têm observado a longevidade, o silêncio ou a raiva que o acompanha, como sinais do contributo que esse ser deu à sociedade e que, pelo cansaço acumulado ao longo de muitos anos de vida, merece respeito e bom acolhimento.
Para entender estes factos, comparei-os com pessoas do ocidente cristão, especificamente católico, que acreditam na ressurreição da alma e do corpo, ou seja, na imortalidade simbolizada no credo central das ideias. Percebi que nesse credo tinham-se juntado duas atitudes: a das pessoas que ajudam com orações, turnos de cuidado, missa, comunhão e solicitude amorosa para entreter o bebé regressiva e, no oposto, a das pessoas que vivem de tomar conta do bebé secundário da forma mais adequada a ele próprio: construir um lar, gerir esse lar, investir imenso capital para lucrar com a continuação da vida da pessoa que está a morrer um pouco cada dia, socialmente abandonada da memória dos outros. Observei pessoas a serem ressuscitadas com choques eléctricos, arrebitadas para além das suas forças, gastas no seu ciclo de criança, gastas na família, gastas para viver. O adulto que regressa a bebé, sente, sofre e manifesta a sua dor nos seus gritos. Não é casualidade, é dor, é mesmo dor dum corpo que sabe sem saber porquê. Assim, a criança velha, é mal tratada, mesmo essa mulher doce, senhora e serena que fui capaz de observar com os seus olhos enevoados, cansados, de boca aberta, incapaz já de brincar. Como brincam os seres regressivos sem darem por isso.
Fica assim, um começo para um estatuto do adulto maior, tantos como eles são hoje em dia e tantos que vamos ser em breve: a troca da dor final pelo viver mais um minuto numa vida pensada imortal. Por amor aos que tenho visto, por carinho a mim próprio, ao meu futuro e à minha vida, dedico a minha atenção de antropólogo especialista em crianças à infância que nasce, à infância velha, nas suas respectivas cronologias. Para nos salvarmos da troca comercial que de nós fazem, especialmente os descendentes aterrorizados de ver feito bebé o seu adulto maior, esse que um dia os fez e os soube criar com amor. E para entendermos o actual ciclo de vida e saibamos, em casa, tomar conta da criança velha. Especialistas em família somos nós, os que em família sabemos viver: a cronologia do grupo mudou e o seu comportamento também. Hoje há crianças bebés e crianças velhas. Saibamos agir, especialmente em lares onde há pequenada nova, para se integrarem na heterogénea realidade da vida.
Fonte: os cuidados dedicados à minha Senhora Mãe na sua cumprida agonia e aos seus companheiros de hospital
Outra morte, esta no Reino Unido. De vez em quando temos que nos interrogar. Estará o estado a intrometer-se na nossa vida se proibir a existência de cães em apartamentos onde vivam crianças ou pessoas que não consigam defender-se? Os animais são sempre dóceis até atacarem alguem, como é óbvio. Mas é este o estranho argumento apresentado em todos os casos de ataque.
A culpa é toda do dono do animal como é o caso. É intolerável que se vá a um canil adoptar um cão de raça perigosa, já com oito anos, e deixá-lo sozinho com uma criança de quatro anos no apartamento. Que passado terá este cão em termos de perigosidade? Ninguem sabe, como parece óbvio. Os "vira-latas" que não fazem mal a ninguem são abatidos mas os de "raça" tipo "sangue azul" são protegidos, mesmo depois das tragédias. Como neste caso emBeja.
Aos pais sem crianças e às crianças sem pais de Castelo de Paiva, onde proferi esta conferência.
1. Ser feito.
A frase, ser feito, parece ser a reiteração de uma ideia sistemática ao longo dos meus textos. Não é por acaso que a reitero, quer em ensaios, quer em artigos quer, ainda, e com maior latitude, nos meus livros. É reiterada até estarmos certos de como é que um ser humano se faz, na curta e duradoura infância, na dinâmica e repentina puberdade que abre a flor da vida de adulto. Ou, simplesmente, em adulto. Mas, será que os adultos, já grandalhões, também são feitos? Ou será que o adulto, como diz Alice Miller, que sempre lembro, leva em si uma criança. Ser feito é heterogéneo, é, diria, um processo que ocorre ao longo da vida. Um adulto é uma criança sempre a crescer até regredir. É como uma metamorfose. Uma criança é a semente processual do adulto, a base do que será como pessoa no futuro. Porém, Alice Miller e Mélanie Klein, entendem que o adulto é resultado da criança, hipótese que não seria novidade se não acrescentassem a ideia da influência silenciosa que a infância tem no adulto. Todavia, ser feito é um processo sempre em desenvolvimento, que nunca pára, e que, por conveniência para as nossas contas e para deslindar responsabilidades, o mundo erudito e do poder tem classificado em ciclos com uma certa responsabilidade para a lei ver. E os pais também. Difícil questão esta de se ser feito. Já foi problema em 1633 com o jesuíta Athanasius Kirchen ao dizer que o mundo era uma sucessiva evolução, que a terra girava em torno do sol e que a Arca de Noé era a evolução das espécies, corroborando assim o sistema heliocêntrico do frade Nicholas Copérnico que em 1530 já tinha falado de forma atrevida de que a terra não era o centro do universo contudo, para não ser queimado, negou a sua convicção, acrescentando, ao assinar a acta de retractação: e no entanto, move-se. O contexto faz da frase uma infantilidade ou uma verdade. A época ajuda, ou não, a entender o que se pensa e se descobre. Porém, ser feito é difícil de explanar. Ser feito já era complexo quando a união era sacramental e para toda a vida e entre homens e mulheres não parentes. Nos nossos dias assistimos a uniões de facto entre pessoas do mesmo ou diferente sexo, que procriam ou adoptam. Haja felicidade na nossa cultura por sermos capazes de optar tal e qual sentimos. Haja paciência para dizer que ser feito é um processo delicado no ritual sacramental ou no factual. Ser feito é a criação de um indivíduo. Capaz de optar, de (se) amar e de respeitar, em consequência, aos outros. Tão simples quanto isso, mas tão complexo por se esquecerem os feitores de pessoas da existência de um contexto que acaba por nunca ser verdade no tempo do feito, mas uma tese anos depois. Respeitada e cuidada. Ser feito tem sido um andar para trás e para a frente no processo educativo dos seres humanos. Processo simples, caso se saiba como começa o processo de confecção do ser humano.
2. Amor conjugal
Tenho observado que, seja entre Picunche, Galego ou Português, Europeu ou fora do Ocidente formal, aparece essa fatal altura da vida quando dois gostam do bom e do mau do outro. Por outras palavras, gostam do bom e sabem entender o que parece mau. Porque definir bom e mau é mais difícil que definir bem e mal. Bom e mau, são qualidades, sentimentos, emoções, movimentações intangíveis e virtuais de pessoas. Bem e mal, são comportamentos entre um indivíduo e o seu grupo social, simpatia ou antipatia de um para outros e vice-versa. Bom e mau, é uma forma de ser íntima, a dois. Esse dia em que se olha profundamente nos olhos do ser que aparece à nossa frente e, sem sabermos porquê, gostamos. E queremos estar juntos. E queremos tocar. E queremos sentir esse indefinível prazer de estarmos a sós com esse outro. Fundar uma unidade separada do grupo ao qual parecemos pertencer ou com o qual devemos interagir. Uma unidade que designamos lar. Aos vinte, aos trinta, ou depois, ou antes. Não há idade. Acontece. Miller e Kleine poderiam dizer que é o inconsciente que descobre o inconsciente do outro e o aceita e procura... inconscientemente... Em palavras simples, a nossa temperatura afectiva aquece e leva-nos a estarmos na mais terna das intimidades. Essa que começa pelas palavras, pelas prolongadas conversas sobre si, pelo prolongado ouvir o que o outro diz, pela atracção infinita dos objectivos do outro. Quando há esse objectivo. O amor conjugal acaba por ser a pedra fundamental da confiança de quem deseja compartir o seu objectivo na vida com um outro ser que também tem objectivos na vida. Como amar uma outra pessoa se não sabemos o que desejamos fazer de nós e qual é a nossa forma de estar entre as inúmeras interacções às quais estamos obrigados para nos reproduzir e para sermos entidades socialmente úteis? Porém, capazes de entregar um grão de areia ao desenvolvimento da História que construímos, até fazer do grão uma rocha que fundamenta a nossa existência. Será que amor conjugal é o suspiro de fazer a corte, de cortejar um outro e estarmos penteados e amáveis, sempre alegres e contentes? Tenho observado esses casais baseados na estética que, por vezes, permanecem juntos toda a vida; tenho observado esses casais cujas vidas vão andando de forma serenamente precipitada entre os objectivos de um que o outro entende e os do outro, entendidos também. E gostam de ver como um e o outro estão ocupados nos seus afazeres. E tiram parte do seu tempo para dar sítio ao tempo do outro, enquanto o outro no seu dia faz o mesmo. E admira o que é feito por um enquanto o outro admira o feito pelo outro. Um terceiro momento paralelo ao anterior, esse anterior composto de dois movimentos de vice-versa, é a vida em comum dividida entre o objectivo pessoal e o objectivo desenhado. Objectivo desenhado que passa pela feitura acima falada de fazer outros. Fazer por prazer, é simples: pura genética. Fazer por partilhar, é a aritmética do meu tempo pessoal dividido pelo pessoal tempo do outro e multiplicado pelos cuidados investidos no resultado de ser feito. Geneticamente ou em adopção. A união de facto resolveu a questão de ter que falar em masculino, feminino, plural, consanguíneo e outras minúcias da linguagem que até a escrita ficava num problema inacabável. Amor conjugal é a peça fundamental para exibir afectividade perante os rebentos que resultam do mesmo. Com rituais e costumes não partilhadas por serem íntimos mas entendidos sem se saber como, pela criança que observa. A criança alegre que sabe ser austera na sua dor e no seu exprimir de sentimentos, é resultado do amor conjugal que começa no amor à obra própria dentro do contexto da obra do outro. E o tempo passa tão rápido e ocupado entre mim e o outro, que sem darmos por isso, os adultos crescem ao pé do crescimento das crianças. Esses seres que sabemos amar porque aprenderam o amor do amor conjugal. Ser feito de amor conjugal é o itinerário da criança, saibam ou não os do grupo individual e autónomo do lar. Ocupados como estão, nem reparam quanto é que se amam e como tomam conta dos seus rebentos. Até ao ponto que nós, observadores, com certo acanhamento, vemos, calamos e comparamos. E aprendemos. Como tenho observado entre Picunche, os Galegos, os Beirões de Portugal e outros, ao longo dos anos. Ser feito de amor conjugal, é o itinerário da criança.
3. Cuidado parental.
Três acções paralelas, a minha, a tua, a nossa. Dentro das três, o cuidado parental ou tomar conta do itinerário da criança. Itinerário distante dos definidos pelas leis e os costumes. Itinerário construído por nós enquanto vamos construindo as nossas vidas. O cuidado parental é o processo de transferir sem palavras a base da solidariedade recíproca de dois que se começaram a amar e que resultaram em três, quatro ou mais, ao longo do tempo cronológico. O cuidado parental consiste nessa cronologia de saber e entender o que é conveniente para os rebentos na sua idade e capacidade de observar e imitar. Consiste em saber ou sentir que os meus assuntos passam a ser de segunda ordem perante os assuntos da infância e durante o seu crescimento. Consiste em saber aceitar as fobias que os progenitores sentem em frente de perigos, reais ou fantasmagóricos, do itinerário infantil. Itinerário que muda na medida da aprendizagem que a criança faz, donde o adulto cresce ao pé da pequenada. É a pequenada que leva a sentir e definir o conveniente e a separar a minha conveniência da conveniência dos pequenos feitos por nós. Seja, cuidado parental, talvez, o entendimento do entrar a miudagem no mundo da interacção. Entendimento que leva a investir, a arriscar, a trabalhar no que for preciso para apoiar o ser feito. Seja talvez, cuidado parental, ou doçura de nunca empurrar além do permitido pela capacidade do mais novo. Seja, talvez e em fim, rebaixar as minhas pretensões de ser feliz e dormir como desejava para passar a ser um casal que aceita desafios, doenças, alegrias, classificação das pessoas entre conveniente ou inconveniente para a minha pequenada, ou entender que há anos da minha vida onde já não sou autónomo, solitário e fantasiar entre as minhas amizades e vizinhanças para passar a ser o submetido ao tempo do pequeno ser feito seguir o amor conjugal. Amor que separa da rua habitual, das horas, da estética da minha inclinação pessoal. Porque se a minha pessoa parceira entende o meu contexto, a minha criançada não tem porque não entender mais do que o feito de saber que eu sou tudo para ela e que existem partes de mim que são apenas minhas. Cuidado parental que, exercitado em presença dos pequeninos, acaba por ensinar sem dizer. Donde, cuidado parental é a pedagogia na qual o meu objectivo pessoal descansa e rende enquanto a minha criança vai percebendo que o seu objectivo é respeitado e fica habituada a não ser interrompida excepto quando sabe que lhe faz mal. Saber sentimental, porém, a racionalizar na prática de cuidados que o amor parental, sempre a dois, significa.
4. Entre o cansaço e a calma.
A minha eterna coda final. Os parágrafos anteriores podem parecer fantasia. Podem, talvez, para quem não tenha a erudição que a natureza dá quando criamos crianças. Quando as fazemos. Quando sabemos ser cônjuges entre nós, adultos em eterno crescimento, e a imagem parental que damos aos nossos rebentos. À qual ficam habituados pela confiança de dizer com voz calma, não filho, agora não, espera um momento, anda cá comigo e descansa. Nós, adultos, vivemos o estrangulamento de sermos pessoas socialmente viáveis e pater-mater-familiae ou pai-mãe de família com um rosto agradável para um ser que sabe também ser hostil quando preciso. Há as formas de ser primitivas e as formas socializadas. O itinerário da criança é, além do mais, desconhecido e pretendemos nós, adultos, subjugar ao mais novo a nossa forma de ser sem respeitar a sua. Como essa linda cena que observei faz três dias: um bebé alegre, cheio de fome e de sono, a beber o biberão nos braços da mãe e adoptar a forma fetal de rodear com um doce braço livre e adormecido pelo sono do corpo, o seio da mãe enquanto ia bebendo o seu leite de garrafa. E, sem dar por isso, bebeu tudo e adormeceu finalmente. O pai observava e nada dizia porque o seu papel era a seguir, embrulhar o bebé numa manta e lavá-lo para o berço. União de cônjuges faz união paternal ou parental como tenho denominado no texto, quer na pessoa da mãe, quer na pessoa do pai. São os anos que sabemos serem curtos e intensos durante um período da vida, quando se constrói o ninho que o neo-liberalismo não nos permite fazer com a facilidade e alegria que usamos no nosso amor parental e conjugal. O itinerário da criança é apenas um: apoio emotivo e material nas descobertas que o mais novo faz: a mão ao gatinhar, a ausência de pés sujos pelo chão usado para brincar, fechar as tomadas eléctricas, mesmo se ficarmos sem luz num canto do quarto. E muita admiração pelas formas usadas pelos mais novos na sua demora de pesquisar o universo que se vai definindo enquanto cresce. Separação necessária de adultos galinhas com as suas crianças e, o mais importantes, usar cada dia no processo de ensinar porque vamos abrindo caminho à individualidade autónoma dentro da qual o itinerário da criança vai entrar para, assim, ser solidário com os outros ao retirar da emotividade familiar essa forma recíproca de agir. Com toda a intervenção prudente dentro dos grupos sociais aos quais esse itinerário leva o mais novo a agir: creche, escola, secundário, jardim-de- infância, vizinhança, ritos domésticos, interacção prudente com os mais velhos da família extensa. Eis, caro leitor, o que me parece ser o caminho de vida da infância em conjunto com os pais que a ela dedicam boa parte de si. Os saberes que um dia, já não serão mais esses pequenos que não deixam dormir e fadigam mas que, acordados e descansadas, são uma risada do lar.
António Correia de Campos, então Ministro da Saúde, instituiu o cheque dentista. Em vez de admitir dentistas nos hospitais "que entrariam às 10 h para saírem às 13 h" nas suas próprias palavras, contractualizou com centenas de técnicos já instalados, o tratamento oral de jovens e grávidas. Estabeleceu as condições e o preço por consulta conforme a maior ou menor dificuldade do tratamento e, milhares de pessoas beneficiaram desde então.
É o estado que paga, mas muito menos do que se tivesse de comprar equipamentos e admitir pessoal. E os tratamentos começaram de imediato o que não aconteceria se fosse o próprio estado a prestar os tratamentos.
O sucesso foi tão grande que agora se reforça o modelo, desta vez orientado para as crianças da escola pública. Espera-se que 250 000 alunos beneficiem este ano.
É este modelo que o estado tem que ampliar e fazer chegar a mais áreas, aproveitando as capacidades já instaladas dos privados.É tudo mais barato, mais rápido e participativo. Os doentes agradecem e não estão preocupados em saber se o dentista é "público". Ao todo são cerca de 3.000 os médicos dentistas e estomatologistas disponíveis numa rede que é nacional, com total liberdade de escolha pelos pais.
Até morderem crianças que não se podem defender foram sempre animais dóceis. Mas a verdade é que são cada vez mais frequentes os ataques destes cães de raças consideradas perigosas. E, o pior é que não atacam o dono que tem sempre a culpa, até pelo simples facto de os terem em casa a conviver com crianças.
A criança está no hospital, o animal está no canil à espera da sentença e o dono devia estar na prisão mas não está. Até quando?
O programa foi retomado depois de dois meses de ausência. São dezasseis milhões de euros para ocorrer a crianças, grávidas e infectados com IVH/Sida. Por "razões de rigor de gestão orçamental", a DGS propôs, em finais de Outubro, a suspensão temporária da emissão de cheques-dentista para as crianças em idade escolar até 31 de Dezembro de 2012, mantendo-se inalterado o processo de emissão de cheques para os outros grupos alvo do programa (grávidas, idosos, doentes com VIH/sida).
"Está tudo ocorrer consoante o previsto", confirmou o bastonário, adiantando que centros de saúde, escolas e administrações regionais de saúde já foram avisados da regularização da situação.O governo suspendeu a emissão de cheques dentista a crianças e jovens. O Ministério da Saúde invoca razões orçamentais para suspender a medida para os beneficiários de 7, 10 e 13 anos. A suspensão tem efeitos imediatos e vai vigorar até ano final do ano. Os cheques dentistas foram criados em 2008 no âmbito do Programa Nacional de Saúde Oral. Mais de 1 milhão de pessoas teve acesso por esta via a consultas de especialidade. Só em 2011 mais de 500 mil crianças foram beneficiadas. O Cheque dentista mantêm-se para todos os idosos que recebam o complemento solidário, para as grávidas e portadores do vírus de imunodeficiência adquirida.
Este programa foi criado pelo Ministro da Saúde Correia de Campos que em vez de encher o SNS de médicos dentistas, como foi incessantemente aconselhado, lançou este programa com resultados a curto prazo, usando as estruturas dos médicos dentistas privados. É um sucesso !
Querem tirar as crianças gordas aos pais. E os magros, muito magros, e os filhos dos alcoólicos, e os filhos dos desempregados e os filhos de casais onde existe violência doméstica, e os filhos de pais solteiros, e de pais fumadores? Tudo para a Casa Pia! Sim, porque se os tiram aos pais para algum lado irão, digo eu, que ainda não estou em mim após esta ideia genial de tirar os filhos aos pais.
E educar os pais, ensinando-os a não beber? e ensinar os pais que se pode comer bem e muito mais barato que nos Mcmalcheirosos? e deixar o fumo à porta? e travar essa batalha urgente da violência doméstica? e proibir de mostrar na televisão os bébés gordos e anafados muito felizes a comerem papa e sumos cheios de açucar? e retirar as crianças de frente da televisão onde passam horas? e contratar nutricionistas para seguirem as crianças gordas? e mandar para o raio que os parta esta gente que não tem mais nada que fazer do que "armar ao preocupado" com a criancinha?
Tirar as crianças aos pais quando os pais não têm dinheiro para comprar os livros da escola, ou as crianças que vão para a escola sem tomarem o pequeno almoço, ou só comeram "sopas de cavalo cansado" ou desmaiarem por chegarem ao almoço e ainda não terem comido uma só refeição...
Mas a publicidade enganosa com crianças felizes a empanturrarem-se de hidratos de carbono, de açucar, mil vezes repetida, aí não, aí não se tira nada às televisões, aí estamos no negócio, coisa intocável e sem culpa nenhuma...