OUÇAM AS VÍTIMAS MORTAIS
No dia 16 de Janeiro do ano que está a terminar, fui, como qualquer mortal, desempenhar tarefas da minha profissão.
Chovia e ventava abundantemente ao fim da manhã, altura em que regressei ao parque de estacionamento onde tida recolhido o meu carro. Com o afã de me abrigar da intempérie, acedi ao local do estacionamento pelo caminho mais directo – o acesso para viaturas. A humidade acumulada na rampa, o facto de ter ambas as mãos ocupadas (uma com a pasta, outra com o guarda-chuva) e a pressa de encontrar resguardo fizeram com que perdesse o equilíbrio e caísse desamparado.
Ali, no chão de cimento, estatelei-me como qualquer mortal, vítima da minha própria incúria.
Portanto, uma vítima mortal.
E, como vítima mortal que sou, posso dar testemunho dos largos meses de dores musculares de que fui afectado, mesmo tendo tido a sorte de nada ter fracturado ou rompido.
Vantagem das vítimas mortais é que, estando vivas, mortais que são, podem fruir da experiência negativa que as vitimou, corrigindo comportamentos, e elucidar os demais mortais que possam ser vítimas de situações semelhantes.
O caso que relatei poderia ter sido mais grave. Por exemplo, se o impacto tivesse sido com outra zona do corpo, ou se o desequilíbrio me tivesse atirado para local sem amparo. Teria sido, então, uma vítima morta, caso em que não teria a oportunidade de fazer o presente relato e tecer estas breves considerações.
Há acidentes mais ou menos graves. Há danos materiais e corporais; mas também há os intelectuais.
Nesta vertente, sou uma vítima mortal, permanentemente fustigada pela iliteracia dos que têm o privilégio de escrever nos jornais que lemos ou falar nas estações que ouvimos.
Vamos aprender português?
E, por favor, depois de perceberem a asneira, quando relatarem um sinistro não comecem a dizer “vítima morta”, Porque quem está morto foi, seguramente, vítima.
Há palavras simples que a mãe ou o pai ensinam, mesmo antes de entrarmos na escola – “morto”, “ferido” e “sobrevivente”. São palavras boas, aptas à expressão correcta e inequívoca.
Ficaremos gratos, porque a língua é património de todos e a sua ofensa a todos fere.
Ouçam, pois, o apelo desta vítima mortal que vos escreve