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BandaLarga

as autoestradas da informação

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A PROFESSORA AVÓ MARIA DA CONCEIÇÃO VIDEIRA - Prof Raul Iturra

 

O ensino, especialmente às crianças, é uma das atividades mais sagradas da vida. É a transferência do que as pessoas pensam dentro da família e de como pensam os vizinhos, os que devem ser amigos e os que devem ser evitados por não saberem o comportamento adequado para tratar pessoas. Está todo definido no meu livro de 1997: O imaginário das crianças. Os silêncios da cultura oral, 1ª edição Fim de Século, 2ª edição, mesma editora, em 2007, incrementada com as experiências ganhas por mim ao longo de dez anos de escrever outros livros sobre crianças.

 

O que não digo en nenhuma das duas edições, é que há uma forma de ensino, pela imitação do comportamento exibido pelos adultos, sem eles perceberem que a sua forma de agir é calma e direta. Como aconteceu com a Professora Avó, que era de Girabolhos, Concelho de Seia, que trabalhava desde a manhã cedo até a noite tarde. A família não tinha recursos e todos os seus membros deviam aportar o seu. A Professora Avó, tomava conta das cabras, ovelhas, vacas e, mais tarde, trabalhou como assistente doméstica ou empregada de casa. Nos seus 20 anos, em 1942, conheceu um traficante de gado de Vila Ruiva, que comprava as crias que a Professora Avó cuidava. António Rodrigues Nicolau, sete anos mais velho que ela, ficou prendado da donzela, casou e a levou para as suas terras de Vila Ruiva que ela aprendeu a trabalhar. De doméstica, passou a ser pastora e agricultora.

 

Tinha nascido em Girabolhos, Concelho de Seia em 1922. Em 1967, com 56 anos, um cancro do estômago levou o maridado à eternidade. Eram tempos duros, o ditador de Portugal reinava, não governava, apesar de ser apenas ministro, mas sentia-se rei. O pão era guardado com cuidado, as sardinhas eram o alimento principal. Soube fazer comidas especiais para sua descendência, que, em 1968 viu-se incrementada pelo nascimento do Luís Lopes e em 1970, da sua neta Anabela.

 

Viúva, tinha o tempo livre para tomar conta dos netos. A sua filha e marido não tinham dinheiro e o genro, António Lopes emigrou para a Alemanha para ganhar tostões que poupava. Mais tarde, a sua mulher Fernanda, empregada na escola, foi juntar-se com o marido, levando com ela o filho mais velho Luís. O ânimo era uma dádiva de Conceição Videira: vá, menina, eu tomo conta dos netos. Luís gastou três anos da sua vida na Alemanha e foi-lhe difícil adaptar-se as formas lusas de expressão. Conceição Videira não puniu, nunca corrigiu, sabia que andar com os seus amigos e na escola, o  português ia aparecer rapidamente. Foi assim que a segunda neta, Anabela, nascida dois anos depois que o Luís e que visitara num verão os pais na Alemanha, aprendeu que é necessário envolver-se entre as crianças para saber mais. O dinheiro era necessário para os projetos dos Senhores Lopes, Conceição Videira apoiou, ela pagava livros e a escola dos netos para que o trabalho dos pais fosse investido todo nos seus projetos de café e mini mercado, em que ela também trabalhava para ajudar os pais dos seus netos que iam a escola e assistiam ao Liceu de Nelas para progredir nos seus estudos. Foi o que Anabela aprendeu da Avó, a sua professora de catequese e de calma e paciência.

A Avó Professora ajudou-me a tratar as crianças da aldeia, recomendou -me para não mima-los tanto com sumos e bolachas. Como ela tinha feito com os seus netos. Passou a ser a mãe deles durante os sete anos que os pais estavam emigrados.

Não é preciso cursar estudos especiais para se ensinar. Ela tinha a segunda classe, mas muito amor pelos filhos e netos, a melhor lição que eles aprenderam na vida. Nos seus noventa anos de hoje, continua a colaborar no café, no mercado, porque Luís e Anabela cresceram e formaram as suas famílias longe de Vila Ruiva. Era Conceição Videira quem sugeria formas de criar os netos e bisnetos, a partir da sua experiência de Avó Professora, sendo, hoje em dia, quem dá ideias para que Luís e Anabela saibam tratar seus filhos. Os conselhos são oferecidos gratuitamente, com calma e serenidade.

No foi preciso, como Anabela fez, formar-se na escola de professores, para entender, como a própria Anabela diz no meu livro de 1998, Como era quando não era o que sou. O crescimento das crianças, Profedições, Porto. Entendeu Anabela, aprendido de quatro antropólogos que por ai passaram, a necessidade de se envolver entre as famílias das crianças para saber como era o lar e saber as dificuldades da aprendizagem. Conceição Videira já o sabia e é assim que os seus netos aprenderam a viver vida, que não é um tormento, quando se sabe levar em paz e harmonia, como fez esta Avó Professora que deu todo para os seus filho e filha e os seus netos e bisnetos.

Conceição Videira amou. Desse amor, nasceu a sua docência sem palavras, com a exceção dos dias em que era necessário corrigir. Correções de amor e afetividade.

Dona Conceição, agradeço o que me ensinou não apenas em palavras, mas pela minha observação de como sabia imiscuir-se na vida dos seus descendentes. De dois, saíram dez. E os que virão.

Dai, a Professora Avó, que usa essa calma para proferir lições em silêncio, dando a sua opinião apenas quando é-lhe solicitada ou observa que os pais António e  Arnaldo, abusam dos seus rebentos. As garras abrem-se como se abriram para curar as doenças de Anabela na sua infância.

É o meu louvor para uma mulher de cabeça branca, pensamentos diretos e carinho imenso para os seus filhos, netos e bisnetos. Tanto amor, que não se permite entrar na eternidade para melhorar as suas formas de ensino, a escola da Conceição Videira! Que a sua divindade a guarde por mais anos ainda: é necessário que viva para, em silêncio, ensine os hábitos e costumes da família, Senhora Matriarca.

Raúl Iturra

Dia de São João de 2013, que ela me ensinou a comemorar com as crianças de redondeza e o seu significado, que está espalhado por vários textos meus.

Agradeço, como a Anabela, o Luís, os pais deles, meus Amigos e os que Arnaldo fez. Todo, produto de Escola Videira. Videira, que rima com vida!

De Conceição Videira aprendi a frase que Paula Silva sempre me diz para ensinar: viver não custa, o que custa é saber aprender a viver!

lautaro@netcabo.pt

 

2 de Dezembro de 2013

 

 

 

 

 

 

 

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