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BandaLarga

as autoestradas da informação

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A CONHECI E NADA PEDI. UM POEMA

 

Entrei na sala de aulas. Era o meu dia de proferir uma lição. A lição da semana. Não olhei para sítio nenhum, conforme meu hábito, nem falei. Distraia-me. Distrair-se no começo da elocução, era um pecado. Um grave pecado. O meu dever era ensinar. Para ensinar, deve-se estar concentrado.


Todos o sabiam e por isso não me falavam. Era sabido por todos que no meio da conferência, ia parar, calar e dizer, caramba, estava tão dentro dos meus pensamentos, que me esqueci de cumprimentar. Todos riam. Mas ninguém falava. Conhecido era que qualquer frase ia danar-me, perdia o fio da memória, esquecia a frase seguinte. A prova era dura. Era meu costume enviar as habituais seis páginas da temática que ia proferir, vários dias antes.


Todos liam e sabiam do que eu ia tratar. Carregado de textos, enquanto falava, procurava citações em livros sinalizados por mim com pequenos colantes amarelos escritos com a ideia central para desenvolver ao longo de 45 minutos. Nenhum minuto mais, nenhum minuto menos. O título da aula era a minha hipótese, e os pequenos colantes que marcavam diversos sítios dos vários textos, as ideias substantivas para provar a central. Esses 45 minutos voavam como borboletas, com os meus olhos fixados em cada flor que ai estava. Olhava-as, mas não as vias. Bem sabiam as minhas borboletas que um pequeno sussurro delas, encurtava o meu pensamento e não ia saber como continuar. Cada dez minutos, contava uma anedota para aligeirar a lição e aliviar a forçada concentração a que as obrigava. Borboletas femininas, borboletas masculinas, de curta idade, à tarde e à noite, adultos que trabalhavam durante o dia e apareciam às 18.15 – a minha lição devia começar às 18, mas eu dava quinze minutos de tolerância, porque, em hora de ponta, as deslocações eram cumpridas e pesadas, porque um café para estarem acordados, porque um queque para entreter a fome. Porque a conversa de corredor era obrigatória. Porque milhares de motivos entretinham as minhas borboletas.


Aprenderam dois factos: que a hora era a hora; e as temáticas: era a aula escrita antes, era o seminário que se seguia, era a tutória no gabinete com leitura prévia, o texto escrito era entregue previamente, debate entre quatro, e o seminário final do segundo tempo de aula no decorrer da semana. Eram cento e quinze minutos comigo em silêncio e dois ou quatro falavam ou liam os seus trabalhos. Cansados já do trabalho do dia, mandava desmobilar a sala para confrontar as borboletas e nesse olhar profundo e palavras ao ouvido do outro, e exposição decorria em trinta minutos, sempre interrompidos por mim para acordar os dormentes e cansados trabalhadores estudantes.


E um dia, eu fiquei distraído. Levantei os olhos e vi-a. No fundo da sala, toda penteada e séria, sem se distrair do que se falava, sem falar com a companheira de bancada, ouvia fixamente. Dentro do recinto de aula. Lá, fora, no corredor, não era comigo, não ficava para conversas, também devia eu falar o dia todo. Era um docente trabalhador, por causa das infindáveis reuniões, de inacabáveis reuniões do Conselho Científico, do Departamento, do Pedagógico, tantas, que eu ficava farto.


Mas nesse dia, levantei os olhos, e vi-a, era semelhante à mulher dos meus sonhos: elegante, esguia, bem vestida, séria dentro do recinto de aula, sempre a rir no corredor e a contar anedotas. Esqueci-me da frase seguinte e tive que improvisar. Os olhos da cor do mar, o corpo esguio, o bem penteado cabelo, a simpatia do olhar, o silêncio persistente no dia de aula, cativaram-me. Mas, o meu lema: há discentes e docentes e o único laço que os une é o do saber. Ou não se cumpre com o dever. Era uma alegria vê-la ai todas as terças e quintas. O ano findou, o tempo passou, ia eu morrendo e os meus antigos orientados fizeram a festa dos livros de Raúl Iturra. Ela estava só, mas presente. Comprou um livro meu, reconheci-a, agradeci a mensagem semanal que aparecia no meu computador e convidei-a para casa sob o pretexto de consultar ideias minhas para o meu novo livro. Desde esse dia, nunca mais faltou, reescreveu o meu mau português gramatical, continuou com outros textos meus e aprendi a escrever.

Tão linda e sedutora, que me foi impossível não colar a foto neste texto, que, de certeza vai fixar.

Temperamento? Às vezes feliz, outras em sofrimento. Mas esse mês de Junho de 2009, em que fui escrever para sua casa, ficaram, para sempre na minha alma.


Nada eu pedi, tudo me foi dado. Era e é um poema de mulher, a mulher dos meus sonhos… A imagem fala por mim. Há que dar tempo ao tempo para estarmos em Junho outra vez e na sua casa… com esse sonho de mulher, cruzando o rio e a ser esperado… com um riso permanente…que alegra a minha vida.

Talvez nem fixe o texto, é para ela. É melhor a surpresa do luso português iturriano como é denominado, e a surpresa de se ver na net, em breve… esse sonho de mulher…

No dia Internacional da mulher, dia que, para respeitar os mandos, fez-me escrever um texto no dia prévio e a noite…com essa imagem sempre comigo.

 

 

Raul Iturra

29 de Outubro de 2003

lautaro@netcabo.pt

 

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