HANNAH ARENDT
O estado totalitário proíbe, prende e mata. Todavia, não há exemplo de ideia, pensamento ou facto que, violentado pela censura ou pela polícia, não tenha, mais tarde, adquirido direito a difusão. Normalmente, ampliada e prolongada, precisamente em consequência da anterior proibição e em medida directamente proporcional à intensidade desta.
As democracias são mais eficazes.
Toda a gente pode escrever o que quer, mas só poucos, muito poucos, têm acesso aos meios de comunicação. A proibição é desnecessária.
Sendo impossível fazer aquilo que uma ditadura se veria obrigada a proibir, ficam naturalmente dispensados, por inúteis, quaisquer meios sujos e feios de ofensa à liberdade individual ou à vida. Ainda com uma vantagem acrescida - a história tenderá a votar os inconvenientes ao esquecimento.
Garantida está, pois, a sociedade supostamente avançada e tolerante, em que todos podem, em liberdade e sem constrangimentos, dizer e escrever o que pensam.
Supostamente.
Para as democracias, a situação só pode ser problemática quando aquele que resolve difundir ideia contrária à corrente dominante tem já adquirido esse raro poder de dispor de uma tribuna relevante ou das colunas de um jornal influente.
É então que a sociedade avançada mostra porque e em que sentido o é.
O filme está em exibição nas nossas salas de cinema e merece ser visto, talvez revisto, e meditado em todos os seus muitos pormenores. O engenho do realizador permite que um documental biográfico eivado de profundidade filosófica seja absorvido com impressionante leveza, contrastante com o dramático e sério do tema.
De nada valeram a Hannah Arendt a origem judia, a perseguição nazi, o campo de concentração, a fuga e o exílio. De nada lhe valeu também, a docência numa Universidade dos Estados Unidos, à qual ascendeu por via do seu reconhecido mérito.
A sociedade avançada e tolerante não lhe perdoou o ter tido uma opinião própria, dir-se-ia hoje “politicamente incorrecta”, acerca do juízo de censura adequado a Adolf Eichmann e do veredicto do Tribunal de Jerusalém que o julgou e condenou.
O estigma de nazi e a suspeita de colaboracionismo, difundidos por diversos e poderosos canais, condenaram-na, sem direito a defesa ou recurso, por delito de opinião.
A trovoada de aplausos que recebe no final da palestra proferida a convite de seus alunos só foi ouvida na sala. Porque os que pensam e deixam pensar não vencem os poucos instalados.
Que, como ela, pensemos e, se não o soubermos fazer, procuremos quem no-lo ensine.