O QUE É A EDUCAÇÃO ?
O QUE É EDUCAÇÃO
…para mi Wenhe, Javier Isley, Filho de Felix Isley e Camila, nascida Iturra Gonzáles
A questão, como ideia, parece simples. Ou, melhor, a pergunta. No entanto, ela sempre foi complexa e heterogénea. Há vários tipos definições de educação. A mais simples é dizer que educação vem do latim 1 e significa o que está na nota de rodapé de esta página. No entanto, tem significado para discutir, como esse o de domesticar. Não tenho esquecido três definições, criadas por mim, em vários textos meus. Um desses textos, é meu livro que cito ao pé de página 2, texto em que, após de ter analisado com uma larga de cientistas baixo a minha tuição a mais de 40 crianças da aldeia de Vila Ruiva em Portugal, Concelho de Nelas, concluí que educar era formar cidadãos para os subordinar às formas e costumes de ser do nosso país. Aliás, para fazer delas pessoas reprodutoras de saber social. Não esqueço esses anos de 1988-1989, dias em que uma multidão de crianças nos acordavam às seis da madrugada para começar os nossos trabalhos entre as 9 e as 12 horas da manhã dos verões escaldantes do lugar. Eram crianças entre os cinco e dez anos, hoje em dia todos profissionais de alguma parte do saber cívico ou com profissões que eu denomino doutorais. Doutorais, por haver dois tipos de saberes, o da mente cultural, definida no texto citado, conceito sobre o qual tenho um direito de autor oferecido a mim pela Sociedade Portuguesa de Autores ou SPA, conceito deduzido da minha observação de ver como os pais gritavam as suas crianças: "pega no livro, vai ao quarto e lê, caraças". Os pais pouco ou nada podiam dizer4, eles próprios raramente tinham ido à escola. Se tivessem assistido, era para se distrair a pensar no que mais amavam, semear batatas. O convite ao estudo não era por isso pouco amável, era a ambição de progenitores que queriam ver os seus descendentes angariar a vida, impingindo o seu saber na interação social. Objetivo bom, mas mal-entendido por derivar saber, texto e livros das avenidas do saber de outros, alheios das formas de vida de vilas e aldeias, praticamente rurais, sendo o saber doutoral derivado de universidades, pesquisas, urbano, laboratorial. Esse saber que denomino doutoral, um saber de poucos mas que deve ser aprendido por muitos. Especialmente hoje em dia, ao ser mandado os docentes de qualquer grau de ensino, avaliar a sua atividade, um dia após outro. Esta avaliação que acaba por esmorecer a atividade dos docentes: preparar aulas, estudar para saber o quê dizer, escrever ideias novas de academia, explicar cada palavra da sua aula e, no fim de um dia bem ganho com o cansaço que produz de falar o dia todo no intuito de fazer dos mais novos cidadãos sábios, ou pelo menos submetidos ao braço da lei, reunir todos eles para, como hoje está mandado, avaliar o desempenho do dia. Dia que começam às 8 da manhã e acabam tarde, quase noite, pelas 20 horas. É este modelo que tenho auscultado ao analisar crianças Picunche, no Concelho de Pencahue, Província de Talca, no Chile do falecido ditador. É este o modelo que manda aos municípios, homens de política, orientar escolas primárias e secundarias de sua jurisdição, o que em Portugal, seria uma Freguesia. Parece-me que o conceito freguês é adequado: obediência, disciplina, ver, ouvir e calar. Formas ditatoriais de definir a transferência de saberes de uma geração a outra, sem um carinho que arrebite o cansaço dos mais novos ou premie com mais uma dúzia de tostões, o deboche imerecido da exaustão desse desmerecido fim de dia. Especialmente entre os docentes de ensino especial, que reúnem sempre, dia após dia, para comparar a metodologia de João de Deus, trazida para nós por essa grande amiga, antiga subsecretária da educação, Ana Maria Toscano de Bénard da Costa3, que nem por isso tem sido ouvida. Ou a opinião dos que trabalham com os que sofrem do espectro de autismo, imensos em Portugal, o meu antigo orientado de doutoramento, José Manuel Pombeiro Cravo Filipe4, educador especial.
Uma segunda ideia que aparece no meu pensar, é que educar é a ternura de transferir saber dos adultos aos mais novos. Um saber que não está em livro nenhum, que reside na mente do educador e que, por acaso, se pode encontrar na vida social e natural. Os textos estudados por mim para entender o processo de ensino-aprendizagem, têm-me ensinado esta ideia. Essa grande dúvida de todo o educador, que entende que ao ensinar, aprende com as perguntas colocadas pelos mais novos, questões com emotividade, racionalidade e erudição retirada da vida social e do saber histórico pragmático do sítio onde os mais novos moram. Todo bairro, vila ou aldeia nos países do mundo, têm dois mapas: o que está no saber dos estudantes que andam pelo seu desenho de corta mato, desconhecido pelos docentes que têm a delicadeza de andar pelos passeios, pelas ruas, autoestradas, sempre pelo desenho branco, denominada passadeira. Cruzamento que muitos de nós não respeitamos na infantilidade que fica sempre dentro de nós ao desafiar, de forma parva, aos carros que vêm de longe, a alta velocidade: mais outro adulto infantilizado que faz das ruas, estradas... Não é por acaso que, ainda sem carros mecânicos, os sábios gregos definiam educação como processo que leva à democracia5.
Estas são ideias que usamos com Paulo Freire, asilado no Chile ao ser perseguido pelo Ministério da Educação do Brasil. Um Goliardo do Século XX: ensinava a partir de teorizar a vida real e sempre caminhando. Era a fama dos Goliardos, que tiveram mais estuantes que la Sorbonne. Pedro Abelardo era um Goliardo escolástico, preceptor de Heloísa, tiveram um filho contra as regras do ensino, Astrolábio, retirado a eles mal Heloísa o deixou de amamentar.
A sua pedagogia é simples, aprendida por mim com ele na ação: é preciso retirar esse conhecimento e fazer razoar essa mente que sabe pensar, ainda que não repare na sua capacidade erudita do dia-a-dia. As escolas apenas precisam levar aos estudantes aos sítios materiais dos quais o saber é retirado, sem o indivíduo saber que sabe. A segurança lógica do conhecimento, é educação. É por isso que a denomino processo de ensino-aprendizagem. A cultura doutoral não é superior à prática pragmática de saber entender a vida natural. Aliás, acrescento, a cultura doutoral perverte o professore e a sua pretensa autoridade, que manda avaliar o que se faz cada dia. Os mais novos precisam de adultos que os amem e descansados, para poder raciocinar e assim ensinar. Toda outra atividade não é apenas ilegal, bem como ante pedagógica. É a consciência do professor o que o faz saber o que, como e quando dizer e não a burocracia eu gere docentes. Essa forma ministerial mata o necessário amor ao ensino, quem nunca ensinou, nem faz ideia do que é o processo de ensino-aprendizagem. Processo para ser vivido e não resultado de decretos: é para agir, não para ser resultado da burocracia legal ou decreto. Os decretos são os assassínios do saber, especialmente ao serem ditados pela afamada Sociologia Industrial, que, por vezes, nas suas práticas, dão cabo do saber das crianças, os proletários do saber, com uma burguesia a possuir os meios de produção pedagógico nas suas mãos inexperientes.
Educar é saber com amor sem perseguições e controlos quotidianos que matam a quem sabe…
Texto escrito e guardado como reserva, na mina vila da Parede, a 4 de Agosto de 2011, 41 anos após da Sua Ex.ª o Doutor Salvador Allende assumia a Presidência da República do Chile, essa porta que se abriu para a sua morte; 38º do meu segundo exílio.
Raul Iturra
Reestudado e rescrito a 7 de Agosto de 3013.
Catedrático de Etnopsicologia do ISCTE/IUL, Lisboa, Senador da Universidade de Cambridge, Membro de Honra do CNRS, Paris, Investigador do CEAS/CRIA/ISCTE, escritor e membro ativo na primeira linha de Amnistia Internacional e dos Direitos Humanos.
Citações:
[1] Do lat. educare v.educarev. Tr., desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais a; instruir; doutrinar; domesticar; em: http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx
[2]A construção social insucesso escolar. Memória e aprendizagem em Vila Ruiva, 111 páginas, especialmente página do livro em formato de papel: p.87, Capítulo 8: "A sabedoria das crianças", Escher (antes) Fim de Século hoje, 1990 a, em várias entradas Internet de: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&sa=X&oi=spell&resnum=0&ct=result&cd=1&q=Ra%C3%BAl+Iturra+A+constru%C3%A7%C3%A3o+social+do+insucesso+escolar&spell=1
[3] A sua biografia e opinião sobre o que eu denomino processo educativo, pode ser lido em: http://sinistraministra.blogspot.com/2008/03/entrevista-ana-maria-bnard-da-costa.html
[4] Biografia e obra em: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Jos%C3%A9+Manuel++Cravo+Filipe&btnG=Pesquisar&meta
[5] Aristóteles, 330 antes da nossa era, no seu texto: Ética a Nicómaco, diz, em síntese: "A educação deveria inculcar o amor às leis – elaboradas com a participação dos cidadãos –, mas a lei perderia sua função pedagógica se não se enraizasse na virtude e nos costumes: "a lei torna-se simples convenção, uma espécie de fiança, que garante as relações convencionais de justiça entre os homens, mas é impotente para tornar os cidadãos justos e bons". Livro escrito para o seu filho Nicómaco, especialmente Livro I, capítulo X, em: http://www.analitica.com/bitblioteca/Aristoteles/nicomaco01.asp#l1c2, sítio para ler o texto inteiro. É assim que o livro e também denominado "...o da Educação". Ideias usadas por Émile Durkheim para os seus textos de pedagogia.