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BandaLarga

as autoestradas da informação

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Viver Não Custa. O Que Custa É Saber Ensinar A Viver

 

 

 

Mozart, Requiem Mass in D Minor


Para Celso Costa, Arquitecto, marido da minha amiga Maria Luiza Cortesão, que soube viver, e ensinar a viver, um militante da liberdade com os Cortesão, falecido recentemente, como se for ontem. E o filho dos meus filhos britânicos, Ben, quem uma horas após nascimento, entrou na eternidade.

Sem saber como nem quando, nascemos. Nascemos sem saber o como e o porquê. De certeza, somos resultado de uma violenta paixão dos nossos adultos. Essa paixão que não permite pensar, apenas agir. Essa paixão tem um resultado, a maior parte do tempo, de dar vida. E o caminho ao Gólgota começa1. Dizer que viver não custa e, a seguir, referir o caminho ao calvário, parece uma contradição. No entanto, contradição não é. Dizer que viver não custa é já definir esse caminho semeado de espinhos dos preços, os horários intermináveis de trabalho, descontar o dia no qual não se trabalha. Um desconto feito pelos mais poderosos do mundo que apenas querem acumular com a força de trabalho dos outros. Essas espinhas que nem permitem tomar conta de nós nem dos nossos, quando estão doentes. Espinhas inevitáveis. A vida ensina como somos matéria e que essa matéria, ou se cansa, ou se aborrece, ou nem sabe como se entreter. Não é em vão que Alice Miller comente o que está na citação da nota de rodapé2
Es por meio de estas ideias de Alice Miller, do abuso que a criança sobre ao ser sempre considerados pessoas que não estão bem, que a sua dotação intelectual é mais baixa do que a normal, que entendemos finalmente, que viver não custa, o que custa é ensinar a saber viver. Viver não custa desde que se saiba poupar às doenças, entender de economia e de gerir o corpo e a inteligência, com diligência, com informação.
Os mais novos aprendem estas ideias e outras, pelo real calvário dos seus pais, esses adultos que são a força de trabalho de uma nação, como já advertia Marcel Mauss em 19243. Ao aprender estas ideias, especialmente a minha teima de que a religião é a lógica da cultura, como reitero em vários textos, especialmente no texto do seminário de Universidade da Beira Interior, Beira Alta, Em Nome de Deus4, é já na catequese que a criança sabe o que é bom e mau, o que deve ou não ser feito. Quer os catequistas, quer os pais que se autodenomina cristãos romanos ou católicos, vivem a sua vida de forma simples. Eles fazem como entendem ou que sentem… As crianças, se fizerem como entendem, são punidas. As crianças se sentirem e exprimirem as suas emoções, são postas de partes. Daí que viver não custa: os adultos guardam os seus bem incutidos pensamentos dos Dez Mandamentos, no bolso, especialmente os homens.
É no meio desta contradição que as crianças nunca mais aprendem e passam a ser como os seus adultos, mais tarde na sua vida.
E mais nada acrescento5
É apenas um esboço para o livro que preparo com o título do cabeçalho. Debatido com os Cortesão, que merecem, de longe, este texto, para me ensinarem mais.
São saberes em desencontro6, entre adultos e crianças, que acabam por desabar aos mais novos. É por esse motivo que, ou são punidos os mais novos...ou são levados ao especialista, saiba deus o motivo. Normalmente, no mal empregue psicanálise. Que nada adianta. Eis porque viver não custa, o que custa é ensinar a viver entre estas referidas sintéticas ideias.
Raúl Iturra
ISCTE-IUL/CEAS-CRIA/Amnistia Internacional
lautaro@netcabo.pt
Maio 10, 2009
10 de Maio, dia do nascimento do meu neto Ben Iturra Ilsley, em Cambridge, e da sua entrada à eternidade e as nossas emoções e memórias. Não é apenas o Celso Costa quem vai embora, são também os filhos dos filhos, esses nossos netos. Devemos entender que o sofrimento existe e deve ser aceite com paciência, após o luto, que nunca pode ser eterno.Com a minha filha preparamos a cerimónia funeral de Bem, ela sabe viver…


1 Gólgota é sempre definido como Calvário, mas não como um Calvário qualquer: Calvário (em aramaico Gólgota) é o nome dado à colina que na época de Cristo ficava fora da cidade de Jerusalém, onde Jesus foi crucificado. Calvaria em latim, Κρανιου Τοπος (Kraniou Topos) em grego e Gûlgaltâ em transliteração do aramaico. O termo significa “caveira”, referindo-se a uma colina ou platô que contém uma pilha de crânios ou a um acidente geográfico que se assemelha a um crânio.

2 “… a relação psicanalítica, a que chama de “pedagógica”, onde o “terapeuta” tem um projecto explícito ou implícito para o seu “paciente” e tudo faz para engajá-lo em sua “verdade” preestabelecida; e, em contraposição, a atitude não-pedagógica, onde o terapeuta tenta criar condições para o desenvolvimento individualizado do “parceiro” daquela “viagem a um País desconhecido que ainda não existe.” Em Alice Miller, 1984: MILLER, Alice. Thou Shalt not be Aware: society’s betrayal of the child. N.Y., Farrar, Strauss, Giroux, em: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Alice+Miler+Thou+shalt+not+be+aware&btnG=Pesquisa+do+Google&meta= traduzido ao luso-brasileiro, em 1986, como: O Drama da Criança Bem Dotada: como os pais podem formar (e deformar) a vida emocional dos filhos. Texto que diz: Alice Miller mostra como somos desviados dessa verdadeira natureza humana por um processo educativo alienante e caduco, obrigados a satisfazer exigências explícitas e dissimuladas de nossos pais para nos sentirmos merecedores do seu amor. Nova edição, revista e anualizada em 1997, na várias entradas Internet de:  http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Alice+Miller+O+drama+da+crian%C3%A7a+bem+dotada&btnG=Pesquisar&meta=    Também traduzido e apresentado, em edição brasileira de Walter F. da Rosa Ribeiro. Summus Editorial Ltda. A versão castelhana em Tusquets, Barcelona, 1997: El drama del niño bien dotado, en: http://www.agapea.com/El-drama-del-nino-dotado-n114443i.htm   http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Alice+Miller+O+drama+da+crian%C3%A7a+bem+dotada&btnG=Pesquisar&meta=     Informado no ensaio de Walter Ribeiro de 2006, texto que é possível ler em:  http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Alice+Miller+O+drama+da+crian%C3%A7a+bem+dotada&btnG=Pesquisar&meta=        Está em luso brasileiro que deve ficar como está, para não perder ligações para outras avenidas do saber

3 Mauss, Marcel: l'Année Sociologique, seconde série, livro editado pela Press Universitaires de France o PUF, texto que pode ser lido todo em : «Essai sur le don. Forme et raison de l'échange
dans les sociétés archaïques» (1923-1924) : L'article en format Word 2001 à télécharger.

4 Comentado na página web da revista em linha, citada no fim da nota: http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732005000300015&lng=es&nrm=iso , Análise Social n.175 Lisboa jul. 2005.

5 O Gólgota não é um lugar que faz alguém sorrir toda vez que se passa por ele. Crianças não pedem para brincar lá. Famílias não fazem piqueniques naquele local. Programas infantis não são gravados e nem excursão escolar quer ir para o Gólgota.
Não há beleza naquela parte da cidade. Não se encontra cartão postal sendo vendido pelas ruas e nem turistas querendo fazer uma visita. Nunca nenhum artista fez uma música do tipo; “Cidade maravilhosa...”. Mas o que se vê é um lugar sombrio e cheio de pedras.
“Levando a sua própria cruz, ele saiu para o lugar chamado Caveira” (João 19:17). Foi assim que João descreveu aquele momento.